Imagine que estamos em 2029. O Brasil está próximo de novas eleições para a Presidência da República. Fazendo um exercício de adivinhação, quais seriam suas apostas sobre as pautas em discussão entre os presidenciáveis daqui a sete anos?

Não ouso “chutar” como terão andado questões centrais para o país ao longo dessa década, como Reforma Tributária, aumento da produtividade do trabalho (que depende da melhora da qualidade da educação) e meio ambiente. Mas me sinto bastante confortável em dizer que haverá debate sobre mais uma Reforma da Previdência.

Já terão corrido dez anos desde a última (sempre bom lembrar que a de 2019 não foi a primeira Reforma da Previdência; FHC, Lula e Dilma também tiveram as suas). E o que me faz ter confiança no acerto dessa previsão é que:

  1. Não são poucos os estudiosos de orçamento que já anunciaram a necessidade de mais reformas previdenciárias, mesmo logo após a de 2019; e
     
  2. O país terá envelhecido ainda mais.

Aposentadoria por tempo de cuidado

Legenda: O Brasil já passou por algumas Reformas da Previdência. Outras deverão vir, no futuro. Crédito: cesarvr/shutterstock

Apesar de as reformas da Previdência serem vistas, de um ponto de vista geral, unicamente pela ótica da redução de direitos, isso não é necessariamente assim. As mudanças no sistema podem vir para corrigir distorções entre grupos que, por diferentes motivos, acabaram sendo privilegiados frente a outros. Então, a limitação nos direitos de alguns pode significar em ampliação para outros. Essa disputa sempre fará parte da discussão.

Certamente, as reformas deveriam ocorrer para dialogar com as novas realidades sociais da população. E, novamente, isso pode significar a extensão de proteção previdenciária a quem não tinha. A provável Reforma da Previdência em discussão em 2029 deveria considerar a inclusão dos cuidadores informais.

Quem são eles? O cuidador informal é qualquer pessoa que dedica parte ou a totalidade de seu tempo para cuidar de alguém. Na maioria das vezes, será um membro da família do cuidador (filhos pequenos, idosos com baixa autonomia e/ou independência, adultos gravemente acidentados ou doentes). Mas pode mesmo ser um vizinho ou amigo.

Diferentemente do cuidador profissional, o informal exerce o trabalho de cuidado, como o nome diz, na informalidade. Isto é: sem que o tempo dedicado às funções de cuidado lhes renda dinheiro. Por consequência, nem permita a contribuição previdenciária associada ao tempo dedicado ao trabalho de cuidado.

Aposentadoria por tempo de cuidado

Legenda: O cuidador informal oferece cuidados a pessoas do seu círculo afetivo pessoal. Crédito: Toa55/shutterstock

Esse é um terreno muito delicado em termos emocionais. Há um tabu em fazer equivalência entre o cuidado exercido com aqueles a quem temos alguma espécie de vínculo afetivo e dinheiro. Mas a verdade é que, dependendo da situação, o tempo dedicado aos cuidados informais pode ser enorme, e/ou as tarefas podem ser extremamente demandantes física e psicologicamente, a ponto de impedir a manutenção de vínculos profissionais remunerados.

Por essa razão, a lei deveria levar em consideração para cálculo de aposentadoria o tempo dedicado ao cuidado informal. Na Argentina, desde 2021, mulheres entre 60 e 64 anos (em idade de se aposentar, portanto) que ainda não têm os 30 anos de contribuição requeridos podem acrescentar ao tempo de serviço alguns anos, por filho (um ano a mais por cada filho; dois anos a mais por cada filho adotado; três anos a mais, por cada filho com deficiência). 

Daí o título dessa matéria: Aposentadoria por tempo de cuidado. Não foi exatamente isso que foi criado na Argentina. Ou seja, não passou a existir um benefício previdenciário exclusivo para quem é cuidador informal. A ideia de uma aposentadoria por tempo de cuidado é mais uma provocação com objetivo chamar sua atenção ao tema da longevidade financeira

Nesse sentido, vale dizer que, longe de ser perfeita, a iniciativa dos nossos vizinhos tem a deficiência de ter desconsiderado o tempo dedicado ao cuidado informal de idosos. Dadas as mudanças demográficas, isso seria tão relevante quanto o tempo de cuidado às crianças.

Ainda assim, podemos considerar o exemplo argentino um grande avanço em compensar desigualdades no sistema previdenciário. Que a Reforma da Previdência que o Brasil vai discutir em 2029 não deixe essa lacuna.

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