Um sonhador, mas também um realizador. Assim podemos definir o goiano João da Silva Garrote, de 82 anos, nascido em Itumbiara. Sonhador porque esse ex-procurador da União busca, desde criança, encontrar novos jeitos de resolver problemas do cotidiano. Realizador por transformar as ideias que tem em projetos efetivos. Prova disso é que o aposentado inventor já patenteou 35 de suas criações.

“A necessidade é a mãe das invenções”, diz Garrote. É algo que descobriu logo cedo na vida. Os pais eram fazendeiros, mas os recursos não eram abundantes. Tanto que o então pequeno João fazia os próprios carrinhos de brinquedo.

E até na hora de caçar passarinhos, ou melhor, aves – “saracuras e perdizes para comer” –, sua visão ia além da dos outros meninos. “Eu adaptei uma ratoeira para essa finalidade”, conta o inventor. “No lugar do queijo, colocava bastante milho. Quando a alça do equipamento batia na cabeça do bicho ele ficava atordoado, pulando pra lá e pra cá, e era fácil capturá-lo.”



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Por falar em pássaros, inventar, em sua definição, é justamente “dar asas à imaginação”. Ou, trocando em miúdos, observar ao redor e descobrir formas melhores de fazer as coisas. Não é preciso inventar a roda. Muitas vezes, basta fazer adaptações inteligentes naquilo que já existe.

Como João Garrote fez em relação às agulhas tanto para costurar roupa como para a sutura de animais. A linha, no caso, entra pela lateral, sem a necessidade daquele esforço para “acertar” o buraco ao ser colocada.

inventorCrédito: Divulgação/Arquivo Pessoal

Ou na primeira de suas invenções para a própria casa. O aparato surgiu depois que ele notou a relutância das pessoas em dar a descarga no vaso sanitário, talvez por medo de contaminar a mão com as bactérias presentes no botão de acionamento. A partir dessa constatação, usou um cabo de bicicleta que faz um “L” numa peça de metal e permite que a válvula seja acionada com o pé.

Inventor do pegador de pequi

Também já botou a cabeça para funcionar com o intuito de ajudar nas atividades da mulher, a dona de casa Joana Darque Rezende Garrote, de 54 anos – seu segundo casamento, que lhe trouxe Bruno, que está com 25 anos; da primeira união, foram outros dois filhos e duas filhas. 

Para a companheira atual, João arquitetou um mexedor elétrico de tacho, para que os doces que ela costuma fazer requeiram menos esforço manual – tampouco ofereçam o risco de queimadura, o que ocorre quando a tarefa é realizada do modo tradicional.

Outro de seus apetrechos, por sinal um dos que mais fez sucesso inclusive na mídia, também surgiu a partir da observação de hábitos – e de como eles poderiam ser facilitados. Trata-se do pegador do fruto do pequi, uma iguaria característica de vários Estados brasileiros, como Goiás, Bahia e Tocantins.

“No restaurante, ninguém come pequi porque suja os dedos e as unhas das mulheres”, descreve o procurador aposentado. A partir dessa dificuldade, bolou uma engenhoca que funciona como um talher para segurar a fruta. João levou três anos no desenvolvimento daquele que considera o modelo ideal desse pegador.

inventor

Pegador de pequi. Crédito: Divulgação/Arquivo Pessoal 

E, diante dessa persistência em busca do melhor resultado, temos um bom exemplo daquela que João considera como outra característica importante do perfil de um inventor: “Não ter preguiça de fazer”.

Ao passarmos os olhos pela trajetória de Garrote, de fato percebemos que vontade e iniciativa sempre marcaram seus passos. Se a curiosidade para criar é nata, ele conta que tal dom foi lapidado quando estudou na Escola Técnica Federal de Goiânia – hoje Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – em 1954. “Passei um ano lá”, lembra. “Aprendi um pouco sobre vários cursos, entre eles o de eletrotécnica.” 

Os conhecimentos nessa área o levaram para um posto na Telegoiás – Telecomunicações de Goiás. Lá, foi incentivado por um colega a fazer faculdade. Alguns anos depois, aos 40 de idade, João Garrote se formava em direito na Faculdade Anhanguera de Goiânia. Em 1983, entrou na Sudeco (Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste) como procurador jurídico e, em 1988, tornou-se procurador da União. Aposentou-se em 1991.

É em sua casa de 600 m² de área construída, em Goiânia, que o aposentado inventor tem uma oficina em que exerce seus predicados de “professor Pardal”, os quais já lhe renderam prêmios e convites para palestrar em instituições como a Universidade Federal de Goiás.

Nenhum ‘merréis’

Mas seus inventos não lhe deram uma recompensa financeira à altura, ao menos até hoje. “Não faço por dinheiro”, ressalta. “Mesmo se descobrisse uma cura para o câncer, não iria querer nenhum ‘merréis’ por isso. Dinheiro não é tudo na vida. Quando você faz alguém feliz, também passa a ser feliz.” 

Sobre a possível industrialização de seus projetos, aliás, Garrote mostra-se cético, a despeito das 35 patentes que possui. “Uma empresa não quis produzir o pegador de pequi alegando que se trata de um item de interesse regional, porque a fruta só existe em alguns lugares do país”, conta. Em sua análise, “faltou visão para eles”.


João também reclama da demora nos trâmites do Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). “Levaram dez anos para me dar a patente de uma agulha”, dimensiona.

A velocidade das ideias que surgem para o aposentado inventor é outra. “Elas vêm na gente”, explica. “É como o Roberto Carlos, que compõe quando chega a vontade de escrever uma música”, compara. “Ele também é um criador, assim como eu. Enquanto não morrer, vou inventar muita coisa boa ainda.

”É sua especialidade, cujo segredo vive tentando explicar para os outros. Em sua cabeça, parece tudo realmente muito simples. “É como estar na beirada de um rio e ter que atravessá-lo”, divaga. “E ficar pensando sobre a melhor maneira de chegar até a outra margem.” Essa é a grande viagem do inventor João Garrote.

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