O número de casos de ansiedade e depressão, bem como os de estresse, dispararam durante a pandemia do novo coronavírus no país. É o que mostra uma pesquisa conduzida pelo professor Alberto Filgueiras, do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que mapeia o comportamento dos brasileiros durante o isolamento social. 

O quadro de sofrimento psíquico provocado pelas incertezas e pela mudança de vida acarretadas pelo vírus fizeram o número de casos de depressão quase dobrar. Na primeira coleta de dados, feita por meio de questionário on-line entre os dias 20 e 25 de março com 1.460 pessoas em nove estados do Brasil, a prevalência foi de 4,2%. Na segunda, realizada de 15 a 25 de abril, de 8%. No mesmo período, a crise aguda de ansiedade passou de 8,7% para 14,9%, e o estresse agudo, de 6,9% para 9,7%. 

“Esse aumento era esperado”, diz Filgueiras, citando estudos internacionais que relacionam epidemias e isolamento social. Neles, há um aumento nas psicopatologias, principalmente nas associadas ao humor – estresse, ansiedade e depressão. “O que não se sabia era a velocidade com que [o número de casos] crescia”, destaca. E complementa: “Aparentemente, é muito rápida. Num período inferior a um mês, houve crescimento significativo”. 

Ansiedade e depressão: mulheres 

E são as mulheres as mais impactadas, segundo o estudo, coordenado por Filgueiras, por meio do Laboratório de Neuropsicologia Cognitiva e Esportiva da UERJ, e por Matthew Stults-Kolehmainen, do Yale New Haven Hospital, nos EUA. O professor explica que a principal hipótese para a diferença entre os gêneros é o componente genético. Mas ressalva que é difícil separar o elemento sócio-histórico: “Vivemos em um país altamente machista. As mulheres são mais sobrecarregadas nessas situações que a gente está vivendo”. 

Os exemplos disso estão no dia a dia e camuflados nos discursos. E exemplifica: quando os homens realizam alguma atividade doméstica, como lavar louça ou cozinhar, dizendo que vão ajudar em casa. “Se ele precisa ajudar alguém, é porque esse alguém tem a função principal de fazer essa tarefa. E quem é essa pessoa? A mulher.” Segundo ele, esse é “um cenário muito ruim para quem é mulher nesse momento” e deveria ser avaliado “com muito cuidado por todas as pessoas, inclusive os homens”.  

Sob controle 

Houve, no entanto, uma parcela da população pesquisada que não teve alta nos índices de depressão, ansiedade ou estresse. “Todas as pessoas que participaram da pesquisa e faziam acompanhamento terapêutico, mesmo nas modalidades virtuais, não apresentaram aumento nos acometimentos de psicopatologias, em detrimento a todo o restante da amostra”, diz ele, acrescentando que a psicoterapia on-line melhora os indicadores de saúde mental. 

No entanto, afirma o professor da UERJ, qualquer encaminhamento – seja para atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde), seja pelo plano de saúde – deve ser feito por um médico, que faz uma avaliação para determinar a necessidade da psicoterapia. “Uma política pública extremamente importante seria o fim da demanda de autorização médica”, opina, sugerindo que essa medida possa ser feita em regime de exceção na pandemia.  

“Existem muitas barreiras para ter acesso ao cuidado em saúde mental. Elas deveriam ter sido derrubadas, e ações públicas, em maior escala, deveriam ter sido pensadas para prevenir esse tipo de adoecimento.” De acordo com ele, apesar de existirem políticas públicas, de modo geral, a psicopatologia é vista, inclusive por tomadores de decisão, como “fraqueza, fragilidade e mera frescura, portanto, não cabe tratamento”.  

Quem também se saiu melhor na pesquisa foram as pessoas que praticaram exercício aeróbico, em relação a quem não fez atividade física ou investiu apenas nas de força. “É importante praticar exercícios de três a cinco dias na semana com intensidade leve a moderada”, indica. 

Vale a pena ainda ter uma alimentação saudável e balanceada, sem muita gordura ou açúcar, por uma questão fisiológica. “Esse tipo de acometimento está associado à desregulação de hormônios. Quanto pior a gente se alimenta, pior o nosso corpo fica em termos de equilíbrio hormonal.”  

Essa combinação de exercícios e dieta equilibrada “faz com que nosso corpo fique regulado do ponto de vista fisiológico e hormonal”, prevenindo demandas psicológicas. Sempre, completa ele, respeitando estilo de vida e limites, para que essas mudanças não imprimam mais estresse às pessoas. 

Sofrimento mental 

Mas, afinal, o que estresse, depressão e ansiedade podem provocar? “O adoecimento mental é quando você perde a capacidade de funcionar como ser humano, quando não consegue mais trabalhar, fazer as tarefas de casa, dar conta de si mesmo, do asseio pessoal, do sono, da qualidade da alimentação, do exercício. 

Quando não tem mais energia ou não aguenta mais essas coisas, é o momento de perceber que está acontecendo um adoecimento significativo”, sinaliza o professor. 

O estresse ocorre quando a pessoa se sente ameaçada, e o corpo reage a isso com aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, aceleração da respiração e contração muscular. A mente também acompanha, com sensação de irritação, medo, preocupação e angústia. 

Já a ansiedade, explica a psicóloga Thaís Rabanéa, pesquisadora no Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), consiste num sentimento vago e desagradável de medo, apreensão e incerteza. “Há uma tendência de superestimar o risco de uma situação futura e de subestimar a capacidade de enfrentamento”, afirma ela. As consequências passam por inquietação, cansaço, dificuldade de concentração, tensão muscular e distúrbio do sono. Pessoas com altos níveis de estresse e ansiedade podem sofrer infarto, arritmias, pressão alta. 

No caso da depressão, o cenário é considerado mais grave. “Um dos principais sintomas é a ideação suicida, que são pensamentos de a vida não vale mais a pena, então vou me matar. Ela é o princípio para o planejamento e a execução do suicídio”, diz Filgueiras 

A psicóloga explica que, ao observar sofrimento acentuado ou incapacidade de realizar as atividades cotidianas, o recomendado é procurar orientação psiquiátrica e psicológica. “Se a pessoa não buscar tratamento, a sua saúde e bem-estar podem ser largamente impactados pelo intenso sofrimento psicológico, além de suas interações sociais e produtividade nos estudos, trabalho e demais atividades poderem ser prejudicadas.” 

Reflexos da pandemia 

A pesquisa, que tem 200 perguntas, tem previstas outras duas coletas de dados com os participantes: no pico e no fim da pandemia. O professor assinala que é esperada uma epidemia silenciosa de psicopatologias – estresse, ansiedade e depressão.  

“Vão haver reflexos gigantescos na qualidade da produtividade do brasileiro e na qualidade do trabalho do brasileiro. Não estamos vendo nada ser feito pelas empresas, pelos planos de saúde e pelas instâncias governamentais.”  

E dá o alerta: “É provável que a gente veja um aumento de casos de suicídio e de morte por doenças coronarianas por conta da depressão, da ansiedade e do estresse”. 

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