"Deus ajuda quem cedo madruga". Difícil encontrar alguém que nunca ouviu esse ditado popular e não se questionou ou refletiu sobre seu horário de iniciar o dia. Mas será que ele tem fundamento? O quanto o hábito de acordar com o raiar do sol pode ser efetivamente bom para a saúde? E o coração, qual interferência o horário que levantamos todos os dias tem no funcionamento do órgão?

Acordar cedo está associado por muitos a uma maior produtividade, uma vida mais saudável e até a felicidade. Por outro lado, para parte das pessoas, estar na cama até o meio ou fim da manhã representa preguiça, problemas e falta de entusiasmo. E quem está certo? O fato aqui é, em primeiro lugar, entender que cada organismo funciona de uma maneira e tem as suas próprias necessidades. O ponto mais importante dentro desta questão é a qualidade do sono, muito além das horas em que passamos na cama ou que levantamos dela. Mas vamos por partes.

Acordar cedo não é para todo mundo!

Então se você é daqueles que briga todo dia com o despertador e usa o soneca diversas vezes até conseguir sair da cama, tenha calma. De modo geral, isso não representa necessariamente um problema. Não existe uma receita pronta que sirva para todos. O segredo é estar sincronizado com seu relógio biológico e encontrar uma rotina que seja adequada à sua situação.

Quando falamos em produtividade, por exemplo, uma série de pesquisas revela que isso pode estar relacionado aos nossos genes. Ou seja, biologicamente algumas pessoas são propensas a se sentirem mais dispostas pela manhã, enquanto outras ficam alertas e têm uma capacidade cognitiva melhor à tarde, assim como há quem esteja em sua melhor forma no período da noite.

Tem também a questão do tipo de trabalho ou atividade que cada um exerce, o estilo de vida, a rotina da família, entre tantos outros fatores. Portanto, se você não se sente naturalmente alerta pela manhã, mas decide acordar cedo a qualquer custo, pode estar lutando contra seu relógio biológico, sabotando seu verdadeiro pico de desempenho e, pior do que isso, prejudicando sua saúde, inclusive do coração.

Isso porque para muitos pular da cama cedo não significa ter dormido horas de sono suficientes ou ter a possibilidade de finalizar as atividades proporcionalmente antes no fim do dia. O resultado? Estresse, cansaço, esgotamento físico e mental, mau humor, irritabilidade, falta de concentração, ansiedade, ganho de peso em potencial, elevação da pressão arterial, falta de motivação para se manter fisicamente ativo, entre outros. Uma hora o corpo cobra e revela as consequências da privação do sono.

O fato é que o sono é frequentemente negligenciado no desenvolvimento de doenças e eventos cardiovasculares, mas não deveria. Assim como a alimentação, o fumo e a prática de exercícios físicos, por exemplo, ele pode desempenhar um papel determinante no surgimento de problemas cardiológicos. E aqui, mais uma vez, não estamos falando apenas de quantidade de sono, mas sobre a profundidade e a qualidade dele. Ficar deitado na cama por sete horas não significa que você está tendo um sono reparador.

Qualidade não é quantidade

Muitos acreditam que, porque dormem menos horas por dia, estão dormindo mal. Já outros não entendem a razão de, apesar de terem passado 8 horas ou mais na cama, ainda se sentem cansados ao acordar. A questão é que nem sempre uma coisa está relacionada à outra.

O ponto mais importante é entender que a finalidade de dormir é a recuperação do corpo, que precisa se restabelecer e se recarregar para o dia seguinte. Durante o sono, a respiração se estabiliza e nosso ritmo cardíaco e pressão arterial diminuem, o que faz o organismo entrar num estado de compensação de energia. Ao dormir horas a menos do que o necessário ou quando dormimos mal não é possível fazer essa pausa.

Tudo isso acaba aumentando o trabalho do coração e a possibilidade do desenvolvimento de fatores de risco, como hipertensão, diabetes, colesterol e obesidade, além do aparecimento ou agravamento de doenças cardíacas, danos ao sistema cardiovascular e até aumento da chance de infartos e acidentes vasculares cerebrais.

Cabe lembrar que diversos estudos revelam benefícios em tirar um cochilo ao longo do dia. Porém, as vantagens aparecem quando não há exageros. Em geral, 30 minutos são suficientes. A sonolência diurna excessiva (hipersonia) pode servir de alerta para o descanso de má qualidade à noite. E o problema deve ser investigado especialmente se ocorre com frequência, cenário que traz perigo à saúde cardiovascular.

Quais as consequências de noites mal dormidas para o coração?

As alterações geradas no organismo pelo sono insatisfatório podem levar à insuficiência cardíaca, situação em que o coração não bombeia a quantidade de sangue necessária para atender o corpo. Neste estágio, fica ainda mais difícil relaxar e dormir. Isso porque é comum sentir dores no peito e desconforto, falta de ar ao deitar-se e vontade de fazer xixi diversas vezes durante a noite.

O sono deficiente, incluindo despertares bruscos, pode provocar também aumento no ritmo cardíaco. Estudos apontam que pessoas com problemas no sono são mais propensas a batimentos irregulares e palpitações. Há ainda estudos que indicam que a privação do descanso contribui para a aterosclerose (formação de placas de gordura na parede das artérias do coração).

Essas placas se formam como consequência de uma inflamação. Como reação, o corpo libera glóbulos brancos produzidos pelo sistema imunológico para serem coletados nas artérias. Desta forma, o sono deficiente rotineiro desencadeia uma inflamação crônica, que contribui para a formação das placas e o endurecimento das artérias.

O quadro, se não tratado, pode desencadear a doença arterial coronária e, por consequência, um infarto agudo do miocárdio - o ataque cardíaco acontece quando o fluxo de sangue para o coração fica reduzido ou bloqueado. Acredita-se que o impacto da privação do sono na doença coronariana tenha mais um agravante com as alterações na pressão arterial. A hipertensão tensiona as artérias, tornando-as menos eficazes para levar sangue ao coração.

O que muda na terceira idade?

Grande parte dos indivíduos que mantém hábitos saudáveis ao longo da vida não apresentam problemas para dormir, mas é necessário que conheçam as alterações naturais do envelhecimento. O sono tem seu padrão modificado conforme a idade chega. Na terceira fase da vida, ele tende a ser mais leve, o adormecer fica mais demorado e a tendência é que ocorra uma quantidade maior de interrupções durante a noite. A necessidade de sono também diminui. A maioria dos idosos precisa apenas de seis ou sete horas de repouso por dia.

Isso acontece, principalmente, porque a melatonina, hormônio responsável pela regularização do sono, tem pico máximo aos 3 anos e, com o envelhecimento, sua produção vai diminuindo. Uma pessoa de 60 anos, por exemplo, possui a metade de melatonina de um indivíduo com 20. Já aos 70, nossos níveis são bem mais baixos, chegando a serem nulos em alguns casos.

Além das alterações fisiológicas causadas pelo envelhecimento, não podemos esquecer os distúrbios que podem atingir qualquer um, em qualquer idade. Entre eles o ronco, a insônia e a apneia, esta tida como um dos maiores inimigos do sono, relacionada inclusive ao aumento de riscos cardiovasculares. Isso porque, além de interromper o momento de descanso, a apneia pode prejudicar a oxigenação do sangue e liberar substâncias que provocam a vasoconstrição, elevando os níveis da pressão.

Aqui vale uma ressalva: muitos idosos se queixam por estarem despertando cedo demais, às 4 ou 5 horas da manhã. Porém, é preciso observar o horário em que estão indo se deitar. Caso a pessoa tenha o hábito de dormir às 21 horas e está acordando por volta de 4 da manhã, provavelmente a explicação não é de um problema e sim porque o corpo está obtendo a quantidade necessária de sono por dia. Então é preciso apenas modular as expectativas e modificar a programação.

Faça da qualidade do sono uma prioridade!

Independente de acordar cedo ou não, o que fica claro é que a qualidade é mais importante do que o horário ou a quantidade. O segredo é entender o que funciona para você. No fim, talvez seja mesmo acordar cedo. Ou não. E acima de tudo, é fundamental prestar atenção se você está dormindo de forma consistente. Como vimos, muitas vezes se forçar a acordar ao clarear pode não ser a maneira mais inteligente ou saudável.

Por necessidade e compromissos, muitos podem não ter a opção sobre a hora de começar o dia. Mesmo assim precisam ter atenção em como está a qualidade das horas que conseguem passar na cama. E estas devem ser as melhores possíveis!

Portanto, ao detectar constante insônia, apneia ou dificuldade de relaxar quando dorme, busque ajuda para resolver o problema. O ideal para um adulto é ter entre 6 e 8 horas de sono. É recomendado estar na cama sempre por volta do mesmo horário e dormir uma quantidade semelhante de horas todos os dias. O corpo precisa desta rotina.

Lembrando ainda que, no caso de doenças cardíacas, o sono não age sozinho, mas é um fator de risco que merece atenção. Dormir bem é ótimo para a saúde cardiovascular, tão importante quanto os cuidados com a dieta alimentar e a prática de exercícios físicos. E ao contrário de alguns fatores que não podem ser alterados, como genética, os hábitos de sono podem ser ajustados. Nem sempre há uma solução fácil, mas dormir bem é essencial para o coração e sua saúde em geral.

Compartilhe com seus amigos

Receba os conteúdos do Instituto de Longevidade em seu e-mail. Inscreva-se: