Vamos pensar como os filósofos. As diferentes escolas de filosofia nos ensinam a pensar e não têm por objetivo afirmar qualquer coisa que seja ou que se passe externamente ao homem.

Tal como o material básico com que lidam os ferreiros é o ferro, a arte de viver e o desejo de saber dizem respeito à vida que cada pessoa leva. Ou seja, ao como ela vê o mundo, aos valores que cultiva e às escolhas que ela própria faz.

Uma das escolas filosóficas que mais me atraem é o estoicismo, desenvolvida por volta de 300 anos a.C (antes de Cristo). Para os estoicos, o conhecimento pode ser atingido através da razão. Somente podemos distinguir a verdade da falácia, do engano, através do pensamento. E é isso que os pesquisadores fazem: não se pautam por achismos, mas por hipóteses testadas e confirmadas por uma série de procedimentos lógicos e formais.

Fundada em Atenas, por Zenão de Cítio, para os estoicos a ética é o foco principal do conhecimento humano, sendo necessário desenvolver o autocontrole e a firmeza, a imparcialidade e a clareza mental como valores de caráter para conseguir superar emoções destrutivas, tais como: o ciúme, a raiva imoderada e a inveja.

Um dos aspectos fundamentais do estoicismo é a ética do indivíduo e de seu bem-estar moral, afirmando que a virtude consiste em um desejo que está de acordo com a natureza, acreditando que todos os homens são iguais e são, igualmente, produtos da natureza.

Logo percebemos o que tais princípios têm a ver com a nossa saúde:

  1. Bons pensamentos exercem efeitos saudáveis em nosso organismo.
  2. Não se deve fazer tudo aquilo de que se gosta. É necessário ter autocontrole e alterar as vontades de fazer e de comer coisas impuras e, até mesmo de praticá-las, pois isso nos tornaria doentes.

Cleanto, em relação à ética estóica, defende uma perspectiva determinista, chegando a afirmar que o homem sem fé, ou impiedoso, é "como um cão amarrado a uma carroça, obrigado a ir para onde ela vai”.

Um homem virtuoso, por sua vez, alteraria a sua vontade para se adequar ao mundo e permanecer, nas palavras de Epicteto, "doente e ainda feliz, em perigo e ainda assim feliz, morrendo e ainda assim feliz, no exílio e feliz, na desgraça e feliz", afirmando ser possível ter um desejo individual perfeitamente autônomo e viver em um universo que é "um todo rigidamente determinista".

Ou seja, o homem tem a liberdade de, mesmo doente, sentir-se e estar de bem com a vida, sem se entregar à coitadice e à sofrência.

Você, por certo, conhece alguém a quem se convida para um churrasco no domingo e a pessoa lhe responde: - Não sei se vou poder, ando sofrendo muito com o meu bico de papagaio. Se der, eu vou. Só que o convite foi feito na 2ª feira (!) e, uma vez que dor e doença na sua cabeça significam a mesma coisa, ela se vê doente dali a sete dias, enquanto outra responde: - Vou fazer de tudo para estar presente.

Um depoimento fantástico que ouvi há mais de 20 anos foi o de um médico, colega com quem convivi por alguns bons dias num Congresso de geriatria e gerontologia. Estávamos no Rio de Janeiro e uma turma decidiu sair à noite para comemorar o fim do congresso e, quem sabe, até mesmo dançar.

Este grande amigo percebeu o zum zum e se aproximou: - O que vocês estão tramando aí? Um tanto constrangida expliquei que sairíamos para assistir a um show e depois estenderíamos o programa pela noite, até o sol raiar.

Sabíamos que ele estava gravemente doente e, por isso, nem nos atrevemos – embora muito querido e importante para todos nós - a convidá-lo.  Conjecturamos que ele e a esposa desejariam se retirar mais cedo para recuperar as forças e retornar a casa na manhã seguinte. Longa viagem.

Pois ele tomou a dianteira e declarou: - Vou junto. Chamou a esposa, que já estava sentada à mesa do jantar no restaurante do mesmo hotel onde o congresso havia acontecido, fê-la trocar de roupa por algo mais confortável e pegaram uma Van conosco, na maior algazarra. Sem hora para voltar! - Queridaaaaa?! Mudou o programa. Nada de sopa nem chazinho com torradas.

Tive a honra de sentar-me junto ao casal para ouvi-lo: - Você sabe que estou doente, não sabe? Não fosse pela minha esposa eu não teria me encorajado a comparecer. Estou feliz por termos vindo. Pude estar com meus colegas, dar o meu recado e agora faço esse programão com vocês. Eh, turminha animada! Pois é, meu médico falou para eu me poupar, não me cansar, essas coisas que se diz para doentes terminais. Pois eu sou doente terminal. Alguém diz?! O terminal que fique com o meu médico fechado em casa. Eu sou é pessoa. Um homem que ama a vida. Quero mais é ser feliz, não é mesmo, querida?! Ela é o meu tesouro, tudo que sou devo a essa mulher fantástica!

Eles se aproximaram ainda mais, trocaram um largo sorriso e bateram de leve as taças de vinho. Aproximei a minha à deles e sorvi de um único gole - sei lá qual vinho pedimos - aquele que para mim foi o melhor vinho do mundo!

Àquele momento eu nada sabia de epicurismo. Assim decidi ser e pensar, também. Não sou, porém, tão determinista. Compreendi que estar doente é diferente de ser um doente. Além disso, muito me apraz estudar Friedrich Nietzsche que valoriza tanto as vivências de dor, como as de prazer e amor e pensar, tal como Fernando Pessoa diz em seus versos, tudo vale a pena, se a alma não é pequena.

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