Aluguei minha casa na região de Campinas (SP). Meus filhos cresceram, casaram, nos deram netos e a casa ficou muito grande para mim e a esposa.

Tenho prazo de dois meses para desocupá-la, tempo idêntico ao que já gastei para encontrar uma casa menor, mais aconchegante e mais confortável para um casal que começa a entrar no último ciclo da vida.

Excluindo os sobrados, já visitamos mais de 20 casas, todas térreas. É desesperador constatar que quase ninguém pensa na idade, na famosa frase da melodia imortalizada por Cazuza: “O tempo não para!”

Quase todos – incluindo engenheiros, arquitetos, pedreiros - constroem moradias para jovens intrépidos, desenvoltos, como se fosse possível aprisionar a juventude numa ampola de laboratório.

São apaixonados por degraus e longas escadarias, mesmo que não estejam pressionados pelo valor do terreno ou pela falta de espaço.

Tropeçando em absurdos

Essas mais de 20 visitas foram um contínuo tropeçar em absurdos, como os daquela 1ª casa num condomínio: os dormitórios estão separados da copa, sala e cozinha por três degraus enormes que até as pessoas com menos idade têm dificuldade de escalar.

O mais espantoso estava no quintal: uma piscina até simpática separava a casa da churrasqueira aos fundos, um espaço inacessível para idosos e cadeirantes, obrigados a atravessar por uma passarela estreita e perigosa.

As imagens de outra casa pela internet são fascinantes: tivemos de ir até lá, esperançosos, para descobrir que o único acesso à casa é uma escada frontal de cinco degraus.

Não, ninguém pensa que o desnível de um centímetro torna-se muitas vezes um obstáculo intransponível para um cadeirante ou um idoso que caminha com dificuldade.

Repouso para idosos

Agora sabem para que vai servir a minha casa? Vão instalar nela uma hospedaria para idosos. Irônico, não é?

Meus inquilinos encontraram aqui grande parte da acessibilidade que procuravam: me traz uma forte satisfação pessoal perceber hoje o quanto são valorizadas as características que eu, instintivamente, adotei há mais de 20 anos quando resolvi construí-la.

Quarto amplo com bom espaço para circulação, projetado pelo autor antes de seu AVC. Crédito: arquivo pessoal.

Éramos saudáveis, desenvoltos, mas eu já pensava mais à frente, na velhice e na possibilidade – que não deve ser descartada por ninguém – de surgir na família um portador de necessidades especiais.

Foi o que aconteceu comigo no final de julho de 2013: tive de enfrentar uma complexa cirurgia para implante de pontes cardíacas, durante a qual sofri um AVC, isquêmico, rápido, fulminante.

Tive o lado direito paralisado e mesmo depois de quatro internações na Rede de Reabilitação Lucy Montoro e sete anos de fisioterapia ainda não consegui deixar a cadeira de rodas. Por sorte, minha capacidade intelectual foi bastante preservada!

Banheiro acessível projetado pelo autor para sua casa. Crédito: arquivo pessoal.

Digo que suporto minha sina com resignação e muita vontade de espalhar a ideia da acessibilidade aos quatro ventos.

Neste momento, já desisti de encontrar a casa ideal. Fui obrigado a optar por aquela que nos vai exigir menos esforço de adaptação e menor dispêndio.

Conforta-me a ideia de que minha casa vai produzir felicidade a várias pessoas que, ao entrarem também na última etapa da vida, conseguirão escapar da hostilidade urbana!

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