Alcoolismo não tem cura: tem controle. A informação é da Organização Mundial da Saúde (OMS), que recentemente divulgou o relatório World Healthy Statistcs 2017, alertando para o nível de consumo mundial de álcool puro. Segundo o relatório, em 2016, o volume foi de 6,4L por pessoa com 15 anos ou mais, com variação considerável entre os 194 Estados-Membros. Um volume alto, segundo a Organização.

Os dados disponíveis também indicam que a cobertura do tratamento para os transtornos do álcool e do uso de drogas é inadequada, embora sejam necessários mais trabalhos para melhorar a medição dessa cobertura.

O diagnóstico do alcoolismo não está ligado a um fator separado, mas a um conjunto de diagnósticos, como consumo excessivo, regular e prolongado do álcool e todas as consequências decorrentes. A coordenadora acadêmica do Curso Contexto Saúde, Mariane Caiado, é psicóloga e especialista em dependências químicas e comportamentais. Ela explica que, segundo a revisão 11 do Código Internacional de Doença (CID11), existem 11 critérios, dos quais a pessoa precisa preencher alguns no período de um ano para ser considerado dependente.

“Uma vez que você passa de uma dependência leve para uma moderada, mesmo em abstinência, você não é considerado um dependente leve, mas um dependente moderado em remissão”

- Antes da última revisão do CID e do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), nós tínhamos o conceito de uso nocivo do álcool e dependência. No DSM5, o conceito de uso nocivo já passa a ser caracterizado como dependência leve. Uma vez instalada a dependência de álcool, você passa por uma dependência leve, uma dependência moderada e uma dependência grave – explica a especialista.

Mariana conta que a dependência de álcool e outras substâncias é considerada uma doença crônica, assim como o diabetes e a depressão. Se não tratada, estacionada em sua gravidade, ela passa por um processo evolutivo.

- Uma vez que você passa de uma dependência leve para uma moderada, mesmo em abstinência, você não volta a ser considerado um dependente leve, mas um dependente moderado em remissão. Ou seja, no que a pessoa retoma o consumo, ela reinstala o quadro de gravidade no qual ela parou. E aí ela pode passar de uma dependência moderada para uma grave que, uma vez instalada, também não volta para o estágio anterior - diz.

Alcoolismo na família

Como doença, o alcoolismo não afeta exclusivamente a pessoa que consome a bebida alcoólica, mas os membros da família e as pessoas de convívio mais próximo, principalmente crianças e adolescentes, que podem ter o seu desenvolvimento psíquico, social e emocional negativamente afetado.

Isso ocorre no segundo estágio da doença, quando começam a surgir os problemas paralelos como acidentes de trânsito, violência, agressões físicas e verbais, perda de emprego, decadência social, financeira e moral.

Mariane explica que os familiares sofrem de uma doença chamada codependência, também conhecida entre os especialistas como “amor patológico”.

- A família adoece tentando controlar o comportamento de beber do dependente de álcool, e ela nega que esteja tentando exercer um controle, nega que o paciente tenha uma doença. Muitas vezes eles caracterizam o consumo de álcool como uma falta de caráter, um desvio de conduta e travam uma competição de importância em relação à substância. Argumentos do tipo “como é que pode você me trocar pela bebida?” são muito comuns em esposas, que muitas vezes começam a desconfiar da existência de uma amante, porque o sujeito passa muitas horas na rua – comenta a especialista.

“Todo familiar precisa aprender a viver apesar da condição do outro, porque o dependente de álcool pode querer não se tratar”

Estatísticas mostram que, quando a dependência está na mulher, os maridos, em sua maioria, abandonam as parceiras ainda durante o tratamento, enquanto que as mulheres têm uma tendência maior a ficar ao lado dos seus maridos, tanto no curso da dependência quanto no tratamento. Mas não significa que o homem não possa sofrer de amor patológico, lembra a especialista, mas o número é muito menor.

- A codependência do familiar também se agrava, e sua vida passa a girar em torno do processo da bebedeira do paciente, na tentativa de controlar, jogando a bebida fora ou evitando que o dependente pegue a chave do carro para dirigir, ligando para o chefe para dar uma desculpa etc. É todo um envolvimento que vai adoecendo junto com o processo de piora do dependente de álcool – explica.

Nesses casos, o mais indicado, para a especialista, é que a família busque um tratamento da codependência, do amor patológico, e, para tanto, existem inúmeros grupos de mútua ajuda específicos para os familiares dos dependentes, como o Amor Exigente, o Nar-Anon e o Al-Anon.

- É preciso aprender a viver com o alcoolismo na família apesar da condição do outro, porque o dependente de álcool pode querer não se tratar, e o codependente vai ter que entender que cada um tem sua escolha – pontua a especialista.

“O familiar tem uma participação importante no processo de tratamento do dependente”

Mariane recomenda que as pessoas estudem os critérios de diagnóstico de dependência para identificar o problema em seus familiares, buscando ajuda profissional de um psiquiatra especialista em dependências químicas e comportamentais, psiquiatras para os seus próprios tratamentos e um tratamento também de terapia de grupo ou individual, conforme o caso demandar.

- O familiar tem uma participação importante no processo de tratamento do dependente. Eu costumo dizer que é impossível tratar uma dependência sem tratar juntamente a família, porque eles muitas vezes têm ganhos secundários com a doença e então tendem a sabotar o tratamento. Muitas vezes, os codependentes se relacionam com os dependentes por já terem relações anteriores de codependência. É muito comum filhas de alcoólatras casarem com homens alcoólatras – destaca.

A psicanalista relembra o caso de um menino cujo pai chegava bêbado todos os dias em casa. Por causa disso, ele e os irmãos faziam o que queriam, dormiam tarde, deixavam o ar condicionado ligado, viam televisão até altas horas e jogavam muito videogame. Após o início do tratamento do pai, durante uma entrevista familiar, o menino relatou: “meu pai era muito melhor quando bebia. Ele está muito chato agora, chega em casa e manda a gente apagar a luz, diz que a conta está muito cara, não deixa a gente pendurado no computador o dia inteiro, eu preferia ele antes quando bebia e não perturbava ninguém”.

Em alguns casos, a família se habitua a viver com a doença do outro, como se isso fosse normal por causa dos ganhos secundários. Quando o dependente entra em recuperação, ele começa a ver as coisas que estão erradas, e isso então mexe com a estrutura familiar. Então, mais uma vez, filhos, pais e esposas terão que se adaptar a uma nova forma de viver.

- Já vi casos de mulheres colocarem vinho no suco de uva do marido, presentear os familiares dependentes com bombons de licor ou mesmo deixarem de pagar o tratamento, tudo por causa dos benefícios secundários que não querem abrir mão – comenta.

Quando chega a hora certa de procurar ajuda?

Todo dependente de álcool já foi, um dia, um abusador de álcool que ainda não havia preenchido seus critérios para dependência.

Numa avaliação clínica, quanto mais o dependente de álcool defende o direito de beber, mais dependente ele é. Então se, para o dependente de álcool, ele defende a garantia do consumo através de um processo de negação da própria gravidade do beber e de suas consequências, o familiar também tenta controlar o paciente dependente de álcool.

Quanto mais cedo iniciar o tratamento/acompanhamento, maiores serão as chances de obter sucesso no controle da doença. Confira alguns indícios de que você pode ser um dependente de álcool:

  1. Tolerância a grandes quantidades

Alcoólatras possuem uma resistência maior que as demais pessoas, e conseguem beber cada vez mais sem sentir os efeitos no corpo. Isso acaba levando a um exagero cada vez maior, com doses altas da bebida.

  1. Beber passa a ter importância na vida da pessoa

O alcoólatra deixa de fazer outras coisas para beber, não importa quão importante sejam essas coisas, como estar com a família e participar de atividades sociais que não envolvam álcool. Qualquer coisa que não seja dedicar-se à bebida ou cumprir o ritual diário de beber torna-se menos importante.

  1. Não consegue parar

Quando começa a beber, o alcoólatra perde a noção da quantidade de bebida ingerida e não consegue perceber a hora certa de parar. Ele bebe até que não consegue mais ter controle e se entrega ao sono, pois enquanto houver bebida, capacidade motora ou dinheiro para comprar mais, ele seguirá bebendo.

  1. Síndrome de abstinência

Nesse ponto, o alcoólatra começa a ter sintomas da falta da bebida, não consegue passar longos períodos sem beber, desenvolve sintomas como tremores e agitação. É considerada por especialistas uma das formas de abstinência mais fortes que existe, superando a de muitas outras drogas, podendo, inclusive, levar à morte.

  1. Importância em descobrir se você é um alcoólatra para buscar ajuda

Descobrir se você é um alcoólatra é muito importante para buscar ajuda profissional no tratamento. Os sinais combinados da dependência da bebida podem ajudar a perceber o problema, mas é preciso agir, pois, assim como outros vícios, ele é muito difícil de ser vencido sozinho. O que não se observa é que o alcoolismo, em geral, possui raízes em problemas relacionados ao emocional. Uma vez afetado, ele se torna vulnerável ao vício.

Fique atento aos sintomas: o corpo fala!

Conheça os 12 passos do tratamento oferecido pelos grupos de A.A.:

  1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.
  2. Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade.
  3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos.
  4. Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
  5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.
  6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.
  7. Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.
  8. Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.
  9. Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem.
  10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
  11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade.
  12. Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes Passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.
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