A publicitária e concierge para seniores Cristiane Ferreira Nogueira, 57 anos, foi criada para se casar e ter filhos. Contrariando as próprias expectativas, não concretizou nenhuma das previsões e teve de aprender como ser feliz sozinha. Já a coach e gerente de treinamento e desenvolvimento Kátia Cristina Fernandes, 49 anos, não tinha planos de casamento, mas também não havia programado a vida para se manter solteira e não ter herdeiros, tal como vive hoje.

Com realidades parecidas, ambas fazem parte do grupo de mulheres que são as mais felizes e saudáveis, segundo Paul Dolan, professor da London School of Economics. Estudioso da felicidade, ele declarou recentemente, durante o Hay Festival, que mulheres casadas e com filhos são menos beneficiadas que os homens em um casamento – e, por isso, não são completamente felizes.


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De acordo com o especialista em comportamento, "homens sossegam, se arriscam menos, ganham mais dinheiro e vivem mais". As mulheres, entretanto, não têm a mesma experiência: chegam até a morrer mais cedo do que se estivessem solteiras.

Em seu último livro (apenas em inglês), "Happy Ever After: Escaping The Myth of The Perfect Life" (na tradução livre, "Felizes Para Sempre: Fugindo do Mito da Vida Perfeita"), Dolan trabalha seu argumento em cima de dados do American Time Use Survey (ATUS), que pesquisou a realidade de americanos em diferentes grupos. Cristiane e Kátia não endossam a afirmação do especialista, já que não podem responder por outras mulheres, mas são categóricas ao garantir que são muito felizes com a vida que levam.

Não há fórmula de como ser feliz sozinha

"Não sei se sou mais feliz que as amigas casadas, mas certamente sou feliz e especialmente 'dona do meu nariz'. Posso fazer minhas escolhas; determinar minhas atividades e horários; e coisas simples, do tipo: não fazer comida, dormir de madrugada, acordar quando quiser, ter muitos amigos homens, sem ter alguém com ciúmes, sabe?", ilustra Kátia.

Cristiane tem opinião parecida: "Acho que há mulheres infelizes no casamento, assim como solteiras infelizes por pensarem que precisam de companhia para serem realizadas e viverem plenamente. Sempre fiz coisas sozinha, como ir ao cinema, restaurante, viajar ao exterior. Antes de tudo, tem que amar a si mesma e ter em si uma boa companhia. Acho que eu sou tão feliz quanto uma amiga casada feliz e com filhos, mas com certeza tenho menos preocupações e responsabilidades", pondera.

"A vida se torna mais simples na administração do dia a dia, sem ninguém dependente"

A liberdade de ir e vir é o maior benefício da solteirice, no ponto de vista das duas. "A vida se torna mais simples na administração do dia a dia, sem ninguém dependente. Posso planejar sem contar com terceiros", exemplifica a publicitária e concierge. "Não imagino como um relacionamento se encaixa na minha rotina (de trabalho, de lazer etc), a menos que seja alguém que encare tudo isso de boa", salienta Kátia.

Ela, aliás, diz que não acredita em fórmula de como ser feliz sozinha. "Não é ser solteira ou casada que determina isso. O importante é estar bem e em paz com suas escolhas e, especialmente, poder fazê-las sem se importar com o que a sociedade determina", defende. Cristiane acrescenta: "Felicidade é viver com sabedoria os bons momentos e desfrutar o que a vida lhe dá de melhor".

Como ser feliz sozinha: mudança de paradigmas

Para Gislene Teixeira, especialista em relacionamento e sexualidade, mediadora e conciliadora de conflitos, há tempos maternidade e casamento deixaram de ser "destino e mapa da felicidade". Tudo isso é resultado da emancipação feminina e do advento da pílula anticoncepcional, que permitiu à ala feminina se tornar detentora do direito de escolher procriar ou não, o que refletiu diretamente na opção de casar ou não, de ter filhos ou não, na liberação sexual e no sexo casual, em divórcios e em relacionamentos com tantas outras formatações. "Isso fez as mulheres decidirem como querem ser felizes", resume.

A especialista acredita que quem decide não se casar nem ter filhos tem se mostrado mais feliz em função de ter uma vida única e apenas sua – ou seja, "sua vida, suas regras e suas escolhas". E avalia: "É justo e genuíno que elas não queiram compartilhar seu tempo, sua vida e seus prazeres com companheiro único. Talvez não seja mais interessante ter um relacionamento monogâmico, nem assumir a responsabilidade permanente de ter e criar os filhos – já que filhos são para sempre".

Tal comportamento não tem nada de egoísta ou egocêntrico, mas se fundamenta no respeito à individualidade de cada pessoa, assinala especialista: "Mulheres que escolhem este estilo de vida têm mais tempo para si mesmas, para cuidar do corpo e da intelectualidade; investem mais na carreira e ampliam seus capitais intelectual, social e profissional. Podem se dedicar e explorar suas potencialidades e, o melhor de tudo, sem culpa, sem remorso e sem cobranças de estar 'roubando' tempo, atenção e dedicação ao parceiro, aos filhos e à família".

Moisés Luz, psicólogo clínico, salienta ser importante não associar solidão com felicidade. "Ninguém é feliz o tempo todo. Felicidade é um sentimento abstrato, um estado imaginário, é ausência da tristeza, da angústia, da ansiedade e da frustração, sinais que ocorrem justamente para que haja um equilíbrio emocional e um crescimento e desenvolvimento no nosso processo de individualização", diz. Ele defende ser preciso se frustrar de vez em quando, para que se saiba viver os momentos felizes com mais intensidade.

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