Qual a pergunta mais importante que você se fez no último ano e por que ela é importante? Aparentemente essa questão pode até soar despretensiosa. Ou como outras tantas em uma conversa de bar entre amigos. Mas, para duas mulheres de meia-idade que buscavam se reencontrar na trajetória da vida, ela foi a chave para uma profunda reflexão sobre as angústias e as realizações femininas entre os 50 e 60 anos.

O resultado desse trabalho, que ouviu 66 mulheres de idades entre os 49 e os 59, pode ser conferido no livro “Festina Lente – Apressa-te lentamente” (Editora Autografia, R$ 35), lançado em agosto na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, no Rio.

O projeto que originou a obra levou cinco anos para ser concluído. E surgiu das inquietações das próprias autoras, a escritora, pesquisadora e socióloga – PhD na Universidade Stanford (EUA) – Ana Cristina Leonardos, hoje com 59 anos, e a psicóloga, terapeuta de família, escritora e fotógrafa Martha Scodro, de 60. Ambas vivem na capital fluminense.


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Por sinal, as centelhas da ideia foram despertadas por mudanças no cotidiano de Ana Cristina entre 2003, quando tinha 43 anos, e 2007. Tudo começou quando a socióloga leu o livro “Perdas e Ganhos” , de Lya Luft, que trata do envelhecimento da mulher. “Foi um marco”, afirma. “E me jogou dentro de algumas questões muito pessoais.”

Alguns anos mais tarde, na fase dos 46 para os 47, Ana foi instigada por uma vizinha a fazer parte de grupos de discussão de mulheres de 40 a 60 anos, sob a orientação da antropóloga Mirian Goldberg. Tais pesquisas culminariam no livro “Coroas”.

“O recorte, ali, era o corpo da mulher nessa faixa etária. Mas um corpo a serviço do quê? Em paralelo, passei a ter contato com uma literatura sobre toda uma revolução demográfica ligada à longevidade, na qual percebi mulheres mais velhas não apenas cuidando dos netos, mas sim em busca de cursos para se transformarem em empreendedoras, por exemplo.”

Meia-idade: sentimentos em carne viva

Ana conta ainda que, na mesma época, foi o próprio organismo que passou a incomodá-la. “Sempre fui muito sedentária, bebia muita Coca-Cola e fumava”, diz.

Em determinado momento, percebeu que a conta por tais descuidos com a saúde começava a ser cobrada. “Queria ler muito, passar muito tempo sentada me dedicando aos estudos, mas notei que me faltava disposição física. E que precisava cuidar do corpo.”

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A escritora, pesquisadora e socióloga PhD na Universidade Stanford (EUA) Ana Cristina Leonardos, 59 anos; Crédito: Camila Maia.

A soma de todos esses fatores a levou a querer mergulhar mais intimamente no universo feminino da meia-idade – “acessar uma camada mais profunda de projetos de vida, de angústias, de medos, de sentimentos em carne viva”, define.

Mas, como sempre gostou de trabalhar em parceria, diz que passou a procurar alguém para dividir esse objetivo. Foi quando conheceu Martha por meio do clube do livro que é coordenado pela psicóloga. “Detectei que se tratava de uma pessoa que ia fundo nas coisas”, afirma Ana. “E queria alguém com o olhar da sua área de formação.” 

“Perdida na vida”

E, para a sorte do intento, havia encontrado uma mulher que, aos 53 anos, estava “perdida na vida”, nas palavras da própria Martha Scodro. Com os filhos – um rapaz de, à época, 24 e uma jovem que estava com 22 – morando no exterior, e o marido, industrial e investidor, frequentemente em viagens a trabalho, ela se deu conta de que enfrentava o sentimento da solidão.

Até a carreira foi revista naquele período – fechou o consultório em que atendia e passou a fotografar. Por essas questões, o convite de Ana para o projeto a seduziu. 

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A psicóloga, terapeuta de família, escritora e fotógrafa Martha Scodro, 60 anos; Crédito: Camila Maia. 

Já de início, decidiram que não queriam simplesmente “chamar mulheres para uma entrevista com questões do tipo ‘O que você acha da menopausa?’ ou ‘Qual a sua ideia de aposentadoria?’”, explica Martha. “Muita gente já escreveu sobre essas coisas.”

Foi com a ajuda de um conhecido seu, o professor argentino de psicologia da Universidade Nacional de Rosário Saul Fuks, que chegaram à metodologia utilizada no trabalho. “Em geral, é muito mais difícil formular uma pergunta do que dar uma resposta”, justifica Ana, em relação ao procedimento adotado.

Finitude e longevidade

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A dupla passou, então, a reunir grupos de 6 a 12 mulheres de 49 a 59 anos para falarem de si. “É um retrato, uma pesquisa qualitativa e não quantitativa e sem amarras acadêmicas”, determina Martha.

“Reflete o mundo que é meu e da Ana, pois convidamos para participar das conversas as amigas e as amigas das amigas das amigas”, diz. “Não pegamos amostras de vários extratos sociais ou geográficos”, complementa Ana.

Mas, ainda que seja um recorte, elas se arriscam a dizer que há um quê de universal para as mulheres de meia-idade no que diz respeito aos resultados apresentados no livro.

“É uma fase da vida que as coloca diante da noção de finitude e ao mesmo tempo da de longevidade”, afirma Ana. “Vivo com a angústia de ser finita e mortal e simultaneamente com a perspectiva de ter mais 25 anos pela frente, o que não acontecia com gerações passadas, para as quais a expectativa de vida era de 50 anos. Essa mudança exerce um impacto absurdo. Assim como a adolescência, trata-se de uma etapa de grandes mudanças para a mulher.”

"O que teria acontecido se eu tivesse dito sim quando disse não e vice-versa?"

Dessa maneira, o projeto reuniu um amplo espectro de questões. Muitas positivas – caso de uma professora universitária que se deu um “tapinha” nas costas diante de um balanço otimista da própria trajetória.

Porém, muitas das participantes dos grupos se mostraram preocupadas tanto com o presente como com o futuro. “Houve uma mulher que se perguntou se seus filhos teriam a disposição que ela própria demonstrava para cuidar dos pais idosos”, lembra Ana. “E uma que questionou se encontraria um novo companheiro, uma vez que tinha se divorciado. E ainda outra que indagou o que deveria fazer para se realizar profissionalmente.”

Chamou também a atenção das duas a amplitude de uma pergunta que, de certa forma, dá a entender que os pontos de interrogação fazem mesmo parte do jogo do amadurecimento: "O que teria acontecido se eu tivesse dito sim quando disse não e vice-versa?"

Âncora e golfinho

Tantas dúvidas deixaram ao final ao menos uma certeza – o projeto foi profundamente transformador tanto para Martha quanto para Ana. Aliás, ambas também incluíram suas próprias perguntas no estudo – o livro traz todas as indagações, mas sem identificar as respectivas autorias.

Enquanto Martha não revela o que perguntou, Ana expõe sua questão: “Em que dimensão as amplas versões de mim mesma se integrariam e encontrariam conforto apenas coexistindo, colaborando e agindo em prol de algo maior [meu próprio ser]?”

A socióloga, por sinal, passou por muitas provações ao longo da realização do projeto: perdeu o pai e realizou três cirurgias. “Percebi que, durante o processo, às vezes puxava para frente e às vezes aterrava”, diz ela, que hoje frequenta regularmente a academia e dá até aula de ioga. “Eu e Martha navegamos enquanto construímos o próprio barco, como disse Fuks na apresentação do livro.”

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Esse é justamente o significado do título da obra, “Festina lente”, cujas ilustrações são assinadas por Lucia Moretzsohn. “Jogar a âncora e ao mesmo tempo ser um golfinho”, metaforiza Ana.

Um tempo que requer certa pressa, mas também firmeza nos passos. No final das contas, a empreitada propiciou às duas “certo conforto emocional”, como diz Martha. “Esse trabalho nos salvou dos 50 anos”, sintetiza a psicóloga.

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