A escolha dos títulos dos meus livros mais recentes – Coroas; Corpo, envelhecimento e felicidade; A bela velhice e Velho é lindo! – faz parte da minha militância na luta contra os preconceitos que cercam o envelhecimento. Tenho investido em revelar os aspectos positivos da velhice, sem deixar de discutir os aspectos negativos.

Simone de Beauvoir, no livro A velhice, após descrever o dramático quadro do processo de envelhecimento, apontou um possível caminho para a invenção de uma bela velhice: ter um projeto de vida.

No Brasil, temos vários exemplos de “belos velhos”: Fernanda Montenegro, Silvio Santos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Chico Buarque, Marieta Severo e tantos outros.

Duvido que alguém consiga enxergar neles, que já passaram dos 70 anos, um retrato negativo do envelhecimento. São típicos exemplos de pessoas que eu chamo de “ageless” ou “sem idade”.

Fazem parte de uma geração que não aceitará o imperativo “Seja um velho!”. Uma geração que transformou comportamentos e valores, que tornou a sexualidade mais livre e prazerosa, que inventou diferentes arranjos amorosos, que legitimou novas formas de família e que ampliou as possibilidades de ser homem e de ser mulher, pai e mãe, avô e avó.

Os “belos velhos” inventaram um lugar especial no mundo e se reinventam permanentemente. Continuam escrevendo, cantando, dançando, criando, amando, brincando, trabalhando, transgredindo tabus. Eles recusam as regras que os obrigariam a se comportar como velhos. Não se tornaram invisíveis, apagados, infelizes, deprimidos e doentes.

Os homens e mulheres de mais de 60 anos que entrevistei enfatizaram o desejo de continuar trabalhando e tendo uma atividade produtiva nesta fase da vida. Eles querem continuar sendo úteis, ativos e produtivos. Não querem apenas ocupar o tempo, passar o tempo, preencher o tempo ou gastar o tempo. O tempo, para eles, é algo extremamente valioso e não pode ser desperdiçado. O tempo é um verdadeiro capital.

Eles não querem se aposentar de si mesmos. Eles querem ter um projeto de vida.

Para eles, o trabalho ou qualquer outra atividade não é apenas uma questão de sobrevivência ou de ganhar dinheiro. Eles não precisam mais, mas querem continuar trabalhando e realizando projetos significativos e possíveis de serem concretizados.

A partir dos depoimentos dos meus pesquisados, cheguei à conclusão de que o lema para uma bela velhice poderia ser: “eu não preciso mais, mas eu quero”.

A diferença entre esses dois verbos – precisar e querer – revela o caminho para a invenção de uma bela velhice. Os belos velhos não precisariam mais responder a obrigações impostas de fora. Na velhice, eles poderiam fazer suas escolhas mais livremente e priorizar os seus próprios sonhos, grandes ou pequenos.

Meus pesquisados revelaram que a bela velhice não é um caminho apenas para as celebridades. Ela é o resultado natural de um projeto de vida, que pode ser construído desde muito cedo, ou mesmo tardiamente, por cada um de nós. É importante destacar que o projeto pode já estar esboçado desde a nossa infância, mas também pode ser construído ou modificado nas diferentes fases da nossa vida.

A beleza da velhice está, exatamente, na sua singularidade, nas pequenas e grandes escolhas que cada um de nós faz, cotidianamente, ao buscar concretizar o nosso projeto de vida.

As mulheres de mais de 60 anos que entrevistei repetiram inúmeras vezes a seguinte afirmação: “É a primeira vez na vida em que eu me sinto livre. Hoje eu posso ser eu mesma pela primeira vez na minha vida. Nunca fui tão feliz. É o melhor momento de toda a minha vida”.

A maior riqueza, para elas, é a liberdade que conquistaram com o passar dos anos. Pela primeira vez na vida, passaram a olhar e cuidar de si mesmas com o mesmo carinho e atenção que sempre dedicaram aos maridos, filhos, familiares e amigos.

A revolução subjetiva dessas mulheres é exatamente esta mudança de foco: elas deixam de existir para os outros e passam a existir, em primeiro lugar, para si mesmas.

Simone de Beauvoir afirmou que só existiria uma saída para as mulheres: elas deveriam recusar os limites que lhes são impostos e procurar abrir para si mesmas e para as outras mulheres os caminhos da libertação. Para ela, “a última idade” poderia ser uma libertação para aquela mulher, que, submetida durante toda a vida ao marido e dedicada aos filhos, poderia, enfim, preocupar-se consigo mesma. Poderia ser, finalmente, ser “ela mesma”.

Aprendi com uma das minhas pesquisadas, uma médica de 63 anos, que é necessário transformar tragédias em comédias, já que o bom humor é o melhor remédio para um bom envelhecimento. As pessoas que dão mais risadas são mais felizes e saudáveis “de corpo e de alma”, ficam menos doentes e estão sempre cercadas de amigos.

Apesar de saber que não existem segredos ou receitas para inventar uma bela velhice, descobri que, além de ter um projeto de vida, é importante “ser eu mesma” e dar muitas risadas. Este está sendo com certeza o meu melhor remédio, e o mais barato também.

MIRIAN GOLDENBERG

Autora dos livros: A bela velhice, Coroas, Corpo, envelhecimento e felicidade, Velho é lindo!, A Outra, Toda mulher é meio Leila Diniz, A arte de pesquisar, Os novos desejos, Nu & Vestido, De perto ninguém é normal, Infiel: notas de uma antropóloga, O corpo como capital, Noites de Insônia: cartas de uma antropóloga a um jovem pesquisador, Por que homens e mulheres traem?, Intimidade, Tudo o que você não queria saber sobre sexo, Homem não chora. Mulher não ri, SeXo

Compartilhe com seus amigos