A sensibilidade aguçada sempre marcou a vida de Carlos Augusto Manço. Ela pode ser notada mesmo nas inflexões suaves de sua fala ao recordar fatos – e na lucidez da percepção de que tudo tem um tempo certo para se realizar. Assim, Manço, que nasceu e sempre morou em Ribeirão Preto, interior paulista, se tornou, neste 2018, um calouro de 90 anos com o objetivo de se formar em arquitetura e tapar o que considera um vão em sua trajetória.

Explica-se. Na juventude, por contingências da própria estrutura do sistema educacional da região – segundo ele, não havia uma faculdade de engenharia ou arquitetura na cidade na época em que concluiu o ensino médio –, Manço optou por fazer um curso técnico de desenho. E foi com essa formação que se lançou pelos caminhos profissionais de sua história, trabalhando por décadas com projetos no campus local da USP e, durante cinco anos, no Daerp (Departamento de Água e Esgotos de Ribeirão Preto).

Faz mais de 30 anos que se aposentou. Já na ocasião, uma vontade abalava sua estrutura, como se faltasse algum pilar para que a sustentação fosse completa: o desenhista queria uma formação superior. Como a opção mais próxima – tanto geograficamente quanto em conteúdo – de sua paixão pela arquitetura era a matemática, começou a cursá-la, no Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão.


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Mas não era exatamente aquilo de que precisava para manter o sonho de pé. Além do mais, os recursos da família eram escassos. Então, quando vieram os netos – são 8 no total, de 2 filhos –, o hoje calouro de 90 anos decidiu que era o momento de dedicar seu tempo e suas economias para ajudá-los a estudar.

Plantas, mas não arquitetônicas

No pós-aposentadoria, também resolveu se dedicar a uma paixão da mocidade que andara adormecida durante os anos de trabalho: a estrutura das orquídeas. “Cheguei a ter 2.000 vasos”, conta. E se entregou com seriedade ao tema, formando inclusive uma pequena biblioteca só com livros sobre essas plantas.

Mas o tempo de elas florescerem nos dias de Manço também passou. Dos 2.000 vasos, restaram 12, muito por conta de uma recomendação médica. Os venenos aplicados para combater as pragas que atacam essas espécies estavam fazendo mal para a saúde do orquidófilo em questão. “Então, tive de me satisfazer com a literatura sobre o assunto”, diz.

Há dez meses, outra ruptura foi decisiva para os passos seguintes do ribeirão-pretano – a morte de sua mulher, Eunice, aos 82 anos, 60 dos quais ao lado de Carlos Augusto Manço. Ela não se recuperou das sequelas de um AVC (acidente vascular cerebral). Chegou a sua hora. Como acontece com todos e tudo na vida.

Manço, assim, sentiu, que tinha de completar outro ciclo, o de conhecimento ligado à área em que atuara profissionalmente. Comunicou à família que prestaria vestibular para arquitetura na Barão de Mauá. E recebeu todo o apoio dos familiares, sobretudo de um dos netos, que havia estudado na mesma área com a ajuda do avô.

“Prefiro fazer os projetos à mão”

O calouro de 90 anos é o estudante mais velho na classe de 40 estudantes. Conviver com colegas até mais de 70 anos mais novos é uma das barreiras que tem derrubado no curso. “Eles me respeitam demais e me sinto integrado à turma, vou virar moleque de novo”, brinca, para falar em um tom mais sério logo em seguida. “Converso com eles mais sobre as coisas da faculdade mesmo. Em termos de comportamento, a nova geração é muito diferente da minha. Mesmo a cidade [Ribeirão Preto] mudou demais. Todos estão sempre correndo, com pressa, e isso deixa o ambiente até agressivo”, filosofa.

Para fazer as lições propostas na graduação, viu-se obrigado a aprender a desenhar no computador, outro obstáculo que precisou vencer. “A única vantagem no processo informatizado é a de ser rápido”, afirma. “Mas não tem sentimento, não tem vibração de carinho e amor. Prefiro fazer os projetos à mão.”

A mansidão do tempo

Sua sensibilidade também o mantém sereno ao falar do futuro. Assíduo às aulas e no cumprimento das tarefas propostas para casa, Manço tem em mente que esse aprendizado é um processo que se encerra em si mesmo. “Não pretendo trabalhar na área”, frisa. “Não quero ocupar o espaço dos jovens que estão chegando. Queria aprofundar meu conhecimento. Com essa bagagem, vou bem para o céu.”

Mas não tem medo da morte: “Não penso nisso, não tenho dor, não tenho doença. Sempre tive saúde boa, o coração está bom”.

Manço concedeu a entrevista para o portal do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon de uma pousada que sua filha gerencia em São João do Barreiro, no interior de Minas. Em determinado momento, ele observou a estrutura da casa e refletiu, como se compusesse um quadro: “A arquitetura dela é sempre a mesma, o que muda são as nuvens, o céu, a cor das plantas”. Tudo para Manço tem seu tempo. A sensibilidade, porém, parece não ter fim.

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