Em nosso primeiro dia em solo inglês, assim que chegamos no Air&B que iríamos ficar nas primeiras semanas, eu e meu esposo não sabíamos como ligar o chuveiro, não entendíamos como trancar portas e o sotaque britânico soava como chinês aos nossos ouvidos. E foi aí que entrou a coragem. Há 10 meses ela tem sido nossa amiga. Se bem que por vezes ela some, confesso.

Tive que ter coragem para entrar no Café, de onde escrevo essa matéria e gastar meu inglês - que caminha mas tropeça feio às vezes - com o atendente. Essa tem sido minha grande saga – aprender um novo idioma. Todos os dias tento calar minha voz da autocrítica "você não é capaz", “melhor nem tentar”, "por que não fica em casa hoje?", para abrir caminho ao aprendizado contínuo.  

Sim, abraçar o novo é para os corajosos. Aprender tem mais a ver com a nossa disposição em fazer acontecer do que necessariamente com habilidades. Isso nos traz mais confiança para agir. A equação é simples: conhecimento + prática + repetição = aprendizado. Essa soma está disponível a todos, independente de cor, idade ou classe social. E o ambiente é você quem decide. Pode ser a internet, um novo país, a sua vizinhança, a sala da sua casa ou a sala de aula. Seu Chaim escolheu a última opção.

Universidade rima com terceira idade

Aos 85 anos, Chaim Sinces, após uma reunião de condomínio do prédio onde mora,  chegou à conclusão de que precisava entender mais sobre leis. Sua esposa, dona Rosa, brincou: “faça um curso de Direito”. Ela só não esperava que ele levasse isso tão a sério. Fez vestibular e foi aprovado na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), em São Paulo. Foram 5 anos em sala de aula. Terminou o curso com 90 anos. “Ela me deu uma brilhante ideia. Serei eternamente grato. Sou uma pessoa elétrica. Não sei o que é ficar parado, e de certa forma ela sabia disso”, conta.

Conversei com seu Chaim na sala de sua casa, na famosa rua José Paulino, na capital paulista. Enquanto escrevo, sorrio ao me lembrar do seu jeito descontraído e bem humorado. Polonês, chegou ao Brasil na década de 1930. Começou sua carreira como construtor, depois mudou para o ramo gráfico e anos mais tarde quis aprender técnicas de vendas. Mas chegou a hora de se aposentar. E agora, o que fazer? Foi então que seu Chaim começou a notar algo diferente... Não com ele, mas com as pessoas ao redor.

“Tentei procurar trabalho nas áreas que eu já havia atuado, mas ninguém me dava oportunidade. Diziam que eu estava velho demais. Certo dia até me irritei com um cidadão e disse para ele que coisa velha a gente joga no lixo e eu não era lixo”, diz.  

Tudo junto e misturado

A vida acadêmica definitivamente não foi nada fácil! Seu Chaim teve que aprender mais uma arte: a de superar desafios. “Não tive moleza. Fiz todas as provas e trabalhos como todos os alunos da sala. A única 'regalia que tive era ter a prioridade de sentar na primeira carteira, pra enxergar e escutar melhor. Também tive autorização para captar as aulas em um simples gravador de voz para que eu pudesse ouvir tudo novamente em casa. Tenho cinco anos de conteúdos do curso em fitas cassete”.

Mas e o chamado “trabalho de conclusão de curso”, aquele que deixa todo estudante de cabelo em pé? Pois é, seu Chaim também não escapou! Diríamos que ele escolheu ferramentas mais tradicionais para trabalhar com isso: papel e caneta! Entregou seu TCC todo feito à mão. “A última vez que pisei em uma sala de aula foi nos anos 1940. Sabia que teria que enfrentar uma geração de crianças que sabia muito mais do que eu, mas eu sempre confiei neste computador aqui”, disse, apontando para a cabeça.

Um dos ganhos de voltar para a sala de aula é o contato com estudantes mais jovens. Essa interação permite a troca de experiências tão necessária para a manutenção de uma sociedade ativa e dinâmica. A chegada da terceira idade não precisa ser sinônimo de isolamento, perda de interação social e falta de oportunidades para novos aprendizados.

Seu Chaim é exemplo disso. Diante do novo desafio, se agarrou à coragem e abriu o coração para seus novos amigos: meninos e meninas de 17 e 18 anos. “Ele se incomodava muito quando a gente falava junto com o professor. Diariamente ele nos ensinava valores importantes da geração dele que foram esquecidos pela nossa”, me contou a jovem Ana Crotti, hoje advogada e amiga de Chaim.

Aprender é a alegria de pensar

Tenho que dizer que Chaim não conseguiu uma oportunidade na área do Direito. “Tempo perdido?”, perguntei a ele. “De maneira alguma”, ele respondeu. “Nada nessa vida é à toa. Esse conhecimento me ajudará em outras coisas”. Dona Rosa Sinces, esposa de Chaim e autora da brilhante ideia de cursar Direito, não compareceu ao grande dia de sua formatura. Faleceu 2 meses antes de ver o esposo com o diploma em mãos. “Ela foi minha grande inspiração ao longo do curso e vai continuar sendo”.

Chaim é homem de palavra. Hoje, aos 94 anos, ele está na sua quinta pós-graduação: Engenharia de Alimentos, na USP campus Pirassununga. Montou um laboratório em casa para fazer os próprios experimentos. 

É, seu Chaim, privilégio meu ter ouvido de seus próprios lábios que a vida nos dá oportunidades de irmos muito mais além e que a coragem precisa ir junto. É ela que nos mantém vivos. Ou no seu caso, elétricos.

Saio do café mais confiante. E não é que o inglês saiu melhor?

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