Você chegou aos 55. Seu filho está desempregado e quer trazer a namorada para dormir em casa. O casamento de sua filha está balançando. Seu genro abriu um start up que está fazendo água. Sua empresa o está convidando para participar de um programa de preparo para a aposentadoria. Sua esposa anda mal-humorada pela obrigação de cuidar dos netos queridos para a mãe, sua filha, trabalhar fora.

Pelo menos ela, a filha, tem um trabalho digno e muito compensador. Há um porém. Ela sai bem cedo pela manhã e não tem hora para largar. Quase não tem estado com os filhos, que andam abusados e irritadiços e é o pai que pega o segundo carro quase caindo aos pedaços para levar e buscar da escola, enquanto as crianças se batem e gritam pelo caminho. Lógico. Três crianças com três janelas? É pouco quando elas disputam a mesma janela todos os dias.

As reuniões nos fins de semana da família, que antes eram muito prazerosas, tornaram-se um campo de batalha. E neto não é jornal, não é boa música, nem livro, a que você dedica boa parte do seu tempo, larga num canto e desliga quando deu.

Você prefere quando o seu expediente se estende para além da hora, porque assim, ao chegar a casa, sua mulher já engatou num longo papo ao telefone – sim, vocês conservam um fixo - com uma das irmãs e logo depois vai subir ao quarto, para uma sessão de passa-creme, seguida de um capítulo de alguma série qualquer, a qual você acompanha quando dá e, quase nunca dá, porque você chega estropiado. Nem fome sente. Muito menos, vontade de conversar.

O prato que sua querida esposa lhe preparou com boa vontade e atenção depois de quase trinta anos de casados, o prato de sempre, que lhe foi reservado, estará frio dentro do micro e você sentirá mais vontade de tomar uns drinques do que de comer algo que presta. Mas não diga isso para ela, que ofende. Justo naquele dia, não tem nenhum pacote de porcariada do qual se servir, só para aliviar o estresse largado sobre um sofá meio surrado.


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Caso algum artista viesse a pintar uma cena doméstica da mesma natureza, teria que colori-la com tons marrons e cinza. A iluminação seria dada por luzes indiretas e mortiças e nas paredes caberia um papel antigo, desbotado e descascado, patética cena de um artista do gênero realista-cruel. Só que.

Quem pinta esse quadro é a gente mesmo. Quando somos colhidos por uma tempestade existencial, tendemos a cultivar a infelicidade como um vício emocional, a que fomos introduzidos desde pequeninos. Quando as coisas não fluem, quando os problemas se somam e, quando as coisas não estão caminhando como queremos, ficamos mais do que frustrados. Entramos na dimensão 3I, que é a dimensão permanente dos injustiçados, irados e infelizes.

Convenhamos: quem nos convenceu de que a vida na meia idade deve ser mais tranquila, mais leve e mais animada? Os programas que nos vendem sombra e água fresca, certo? Um casal curtindo abraçados ao sol das praias e dos mares límpidos, brisa no rosto e uma mesa farta de lagosta e frutas frescas, viajando de navio e tirando fotos sorridentes, namorando nos parques e sorrindo, as pessoas realizadas, com olhos de paixão com um neto – o mais lindo do mundo - no colo. Faltou mencionar as boas e rentáveis aplicações e os garantidores de um bom sexo.

Ah, a vida ideal! A minha vida está longe de ser ideal. Muito provavelmente a sua também está. Se não, puxa, aproveite muito, porque tudo passa. Até nós passamos, não é mesmo? Dizem os sábios que o segredo da felicidade é focar no que se tem e não naquilo que não se tem e que, naquele momento, está fora do nosso alcance. O segredo é enfrentar o tranco e se tornar mais paciente e mais resiliente.

Respire fundo e prossiga embalado pela filosofia que cada dia é um novo dia. À noite, antes de dormir, agradeça – a que ou a quem quiser – por ter superado aquele dia, pedindo por uma boa noite de sono. Suas forças, você as descobrirá dentro de você e com a ajuda de amigos. Novos e antigos. Sirva-se deles, humildemente. Um dia eles haverão de precisar do seu ombro.

Problemas somados? Carga pesada? Hora de criar alternativas e mudar a atitude e calibrar o olhar.

  • Trazer a namorada ou o namorado para dormir em casa – Nossos filhos não têm mais onde namorar em segurança. Melhor na casa dos pais, dele ou dela, do que enfrentar assalto nas ruas, se perder nos bares onde se bebe até cair e, motel custa os olhos da cara. Para jovens adultos, custa uma fortuna.
  • Casamentos balançam, não há como evitar isso - Melhor que o casal se desentenda explicitamente e que ambos discutam um recontrato entre si, do que manter os conflitos abafados, no aguardo de que as coisas melhorem por si só ou que se estraguem de vez pela ação do tempo e das frustrações. Não tome partido, a menos que seu genro seja violento.  Se muito, aconselhe uma terapia de casal.
  • Start up fazendo água - Desconheço pessoa que obteve sucesso na vida profissional sem ter amargado umas boas passagens. Aprendemos com os erros e eles doem, no psicológico, no moral e no bolso, sim. Se ele errou e, deve ter errado, isso não significa que jamais conseguirá se levantar na vida. Perder dinheiro é muito desagradável mesmo, porém muitas das lições de vida custam caro, inclusive financeiramente. A menos que ele seja mau caráter e preguiçoso, escute-o e estenda-lhe sua compreensão. Não o julgue e, por favor, não mexa no dinheiro da SUA aposentadoria. Também não seja avalista de nada, só porque ele é casado com a sua filha. Não resolva as coisas por ele.
  • Esposa mal-humorada na meia idade – Procure enxergar o todo na vida dela. Não necessariamente anda irritada e cansada ‘somente’ por cuidar dos netos. Ela é uma pessoa realizada? Ou agora não mais? Sente a premência do tempo? Realmente aceita bem a dinâmica entre vocês dois ou você pensa que é só você que anda enfastiado com o relacionamento conjugal? Você sabe dizer quais são os sonhos que ela acalenta e o que ela ainda deseja extrair da vida? Ou a que se dedicar além do trabalho doméstico-familiar? Vocês CONVERSAM entre si ou já deixaram de ser um casal há muito tempo e ninguém se atreve a tocar no assunto? Não seria bom verificar se não é hora de o casamento balançar para espanar antigas dificuldades e renovar os votos sobre novas bases?
  • Empresa que empreende programas de preparo para a aposentadoria e pós-carreira – Erga as mãos para os céus e agradeça! Seja um dos primeiros a se inscrever. Dedique-se por alguns dias a analisar suas expectativas e as suas perspectivas sobre o seu futuro em muitas dimensões. Não coloque seus compromissos profissionais como prioritários nesta hora. Se a empresa lhe oferece esta oportunidade, também deve respeitar a sua pessoa, liberá-lo para se ver exatamente assim ‘como pessoa’, muito além de ser um profissional.

Chegou a sua hora de se rever, de se atualizar, de investir no seu crescimento pessoal, na sua inteligência emocional e social e, com certeza, ampliar a sua visão sobre os próximos 30, 40 anos que você tem pela frente, tecer novos planos e inovar seu modo de viver.

Ao insistir em manter a sua autoimagem e o seu autoconceito, por certo você se arrisca a ficar fora de hora, porque aposentar-se, hoje em dia, requer um novo aprendizado e uma nova postura frente ao mundo que já mudou. Sente-se preparado para ele? Gosta de desafios? Então, encare.

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