Atualmente, eu vivo pensando na morte. Vira e mexe, me pego refletindo sobre o momento fatídico que porá um ponto final na relação prazerosa entre o que sou e o que ainda pretendo ser. Parece ideia fixa. E é. Segundo um amigo, isso vai passar quando eu morrer.

Com absoluta certeza, o fenômeno acontece por causa da minha idade, setenta anos. É natural. Na medida em que nos aproximamos dos parâmetros determinados pelos demógrafos, vamos assumindo uma linha de pensamento um tanto mórbida, em sintonia com o ocaso do próprio corpo. A expectativa média de sobrevivência do brasileiro chegou aos setenta e seis e um tantinho. Como sou um brasileiro médio, chegado a uma média, estou quase lá. Portanto, tenho disponíveis apenas seis primaveras e um punhado de dias.

Então, imagino o que fazer para aproveitar o que me resta e deixar meu nome gravado de forma indelével nos anais do mundo: escrever a nova versão de ‘Guerra e Paz’? Compor uma música mais perfeita do que ‘Yesterday’? Comer a Madona? Não, isso qualquer Jesus é capaz de fazer – não o Cristo, mas o brasileirinho cujo único milagre foi faturar a pop star balzaquiana.

Apesar de escrever os meus textinhos e compor uma ou outra canção, não chego sequer a aprendiz de quinta categoria de Tolstoi e McCartney - aliás, essa parceria seria sensacional: Back in the USSR II, letra de Liev e música de Paul! De qualquer modo, é melhor procurar outra façanha ou, quem sabe, me conformar e usufruir, sem culpa, do quinhão que ainda me pertence no planeta azul.

No entanto, antes de começar, é preciso levar em conta algumas restrições: correr a maratona de Nova Iorque? Não. Correr a meia-maratona do Rio? Sem chance. Correr atrás do ônibus? Nem em último caso. Melhor nem pensar em correr. Andar é bastante. Devagar se vai ao longe, já dizia minha bisavó, dona Ignez, que só foi embora aos 99 anos, 11 meses e 29 dias.

Seguindo esse raciocínio simplista, vou eliminar os esportes radicais, os não tão radicais, e mesmo os considerados leves. A bem da verdade, é preferível esquecer todos os esportes, incluindo o xadrez, para me dedicar apenas aos prazeres absolutos.

Contudo, mesmo na seara hedonista, é preciso ter cuidados. Por exemplo: mais do que dois ou três chopinhos pode agravar problemas estomacais, vesiculares e hepáticos preexistentes. Por outro lado, comidas fortes e condimentadas devem ser evitadas a todo custo, sob o risco de provocarem desarranjos intestinais e flatulência. Baladas madrugada adentro sequer serão cogitadas, por motivos óbvios (o sono me pega nas situações mais solenes e iluminadas, imagine numa boate escura, com a ajuda de flashes estroboscópicos hipnotizantes?), e o sexo dito selvagem fica somente na lembrança de um tempo que já nem sei mais se de fato existiu.

Somando tudo e tirando os noves fora, acho que não me sobram muitas opções. Viajar, talvez. Todavia, aí me faltam tempo e dinheiro. Como todo bom brasileiro da minha idade, pertencente à classe média baixa, ainda preciso trabalhar para quitar as contas que teimam em chegar mês após mês, com a precisão infalível de um cronômetro TagHeuer. Resumindo, tenho muitos horários a cumprir e pouca grana para gastar.

E daí? A solução será contratar um plano de assistência funeral? Comprar um caixão a prazo e me deitar lá até a foice passar? Não. Definitivamente, não! Embora um seguro específico seja uma atitude previdente e indispensável – ninguém fica para semente -, a vida que me resta é muito, muito mais do que a sala de espera de um velório. E se você está na mesma situação que eu, aqui vão algumas sugestões.

Veja bem: em quinze minutos, você pode ter uma relação sexual completa, gozando e fazendo a sua parceira – ou parceiro – gozar. E se precisar de mais tempo para pegar no tranco, ninguém vai se incomodar, eu garanto. Em trinta minutos, você pode ensinar ao seu neto menos esperto como se faz uma pipa com varetas de bambu, papel de seda, cola de arroz e linha de costura. Talvez, com um pouco de sorte, ele se entusiasme e largue o joystick por algum tempo. Em pouco mais de 40 minutos, você pode relembrar todas as músicas do primeiro disco dos Beatles e, a partir daí, pegar mais leve com essa linda juventude que se apaixona pelo Shawn Mendes e pela Becky G. Lembre-se disso quando estiver de headphones, gritando a plenos pulmões na sala: ‘She loves you yeah, yeah, yeah’!

Não está satisfeito? Quer mais? Que tal ler aquele livro que ficou pela metade e está acumulando poeira na estante? Tenho certeza de que, agora, você vai achá-lo mais interessante. Ou quem sabe, assistir àquele filme do Goddard que você não viu por puro preconceito. Pode ser que não mude de opinião, mas pelo menos não vai ficar com aquela cara de paisagem quando perguntarem o que achou.

Aprender também faz parte do jogo. Procure apurar os seus conhecimentos de informática e a manusear sem medo o celular de última geração, do qual você só consegue extrair o básico. Peça ajuda aos filhos, ou melhor, ao seu neto mais esperto. Em troca, você pode ensiná-lo a estalar os dedos, a assobiar, a plantar feijão num copo com algodão molhado, a jogar cartas e embaralhá-las com estilo, a fazer barcos e aviões de papel, a tocar um instrumento musical, a lançar um peão, a confeitar um bolo, a tricotar, a fazer e utilizar um estilingue para tirar uma manga espada do pé, e por aí vai...

Dançar também é bom. Muito bom. Acompanhado ou mesmo sozinho, coloque o velho LP de boleros na vitrola e volte a viver os momentos mágicos dos grandes salões de baile do Hotel Glória, Monte Líbano e Copacabana Palace. Deixe-se levar pelos Românticos de Cuba até cansar e desabar no sofá com aquele sorriso feliz nos lábios.

Habitue-se a ligar uma vez por dia para um parente ou amigo só para jogar conversa fora e deixe de lado todas as mágoas, rancores e desilusões. Faz bem para a saúde e alegra o coração.

Enfim, aproveite a vida que lhe resta com as coisas mais simples, porque de complicado basta o mundo. Como costumavam dizer os mais velhos, são os menores prazeres que proporcionam as grandes satisfações. E não se preocupe se vai acordar amanhã. Isto é problema de Deus, seja ele quem for.

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