Não importa se são dois pra lá, dois pra cá ou uma coreografia mais animada. Para quem tem 50 anos ou mais, a prática da dança de salão é um ótimo caminho para se socializar, fazer amigos e quem sabe até começar a dar passos para o amor, ainda mais no Dia dos Namorados.

“Sair para nos divertir e encontrar alguém que corresponda aos nossos anseios é um nascer de novo”

Foi em um baile que o cobrador de ônibus aposentado Antonio Santos Almeida, de 73 anos, conheceu a atual namorada, a dona de casa Helena de Paula Faim, de 70 anos. “Nós nos encontramos nos caminhos da vida”, define. “Sair para nos divertir e encontrar alguém que corresponda aos nossos anseios é um nascer de novo.”

Aposentado há 23 anos e viúvo há cinco, ele conta que dança desde os 18 – e que também havia conhecido a mulher com quem foi casado em um baile. O casamento durou 44 anos. Depois que ela morreu, passou a frequentar os salões para superar a perda e conhecer pessoas. “É uma ocasião para espairecer e voltar para casa cheio de energia”, afirma.

Ele diz perceber que não só ele mas os frequentadores dos bailes em geral praticam a dança como uma espécie de terapia: “Dentro do salão não há uma pessoa que não tenha um problema”.

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Nesse contexto, os adeptos da prática conversam e se conhecem aos poucos, formando grupos cujos integrantes passam a conviver com mais frequência, tanto nos salões como em passeios ou viagens.

Antonio, porém, aconselha as mulheres que buscam um parceiro para algo além dos passos da dança a abrir o olho. “Muito homem de baile não presta”, alerta. “São casados que vão para o salão e têm hora certa pra ir embora, porque suas mulheres estão esperando por eles em casa.”

Em relação às dançarinas, ele observa outra característica comportamental. “Não há mulher que não tenha ciúmes. Não vou dizer que minha namorada não tem. Ela sabe que trabalho com grupos de terceira idade [ele foi presidente do Grande Conselho Municipal do Idoso de São Paulo], em que o sexo feminino é grande maioria.”

“Nesses grupos praticam-se atividades como crochê, pintura, dança. Muitos homens preferem o bar, outros ficam nas praças jogando bocha ou dominó. Eu prefiro ir aos bailes”, pontua. Diz frequentá-los de duas a três vezes por semana, geralmente no Caravelas Clube, no bairro da Penha, na zona leste de São Paulo – e acompanhado de Helena.

“Muitas vezes as moças me dizem: ‘Você tem namorado e eu não tenho’. É que você tem que olhar para as pessoas e mostrar que está viva”

Maria Mouro Antunes, de 84 anos, também é viúva, há mais de 20. Ela conta que sempre gostou de dançar, mas que o marido, com quem teve quatro filhos, “odiava baile”.  O casamento, por sinal, errou o passo. “Nós nos separamos quando eu tinha 52 anos. Comecei então a trabalhar e a estudar enfermagem, pois não queria o dinheiro dele”, lembra.

Logo que começou a trabalhar, foi convidada por uma amiga costureira para frequentar os bailes. “Fui muito ao Carinhoso, no Ipiranga [zona sul]”, diz. “Hoje danço mais na Sociedade Amigos de Vila Alpina [zona leste de São Paulo], onde ajudei como voluntária na organização do baile durante dez anos.” Ela mora no Parque São Lucas, também na zona leste da capital. E já é bisavó de um menino de três anos e uma menina de um.

O casal Antonio e Helena frequenta de duas a três vezes por semana o Caravelas Clube, no bairro da Penha, zona leste de São Paulo. Crédito: Na Lata

Há três anos, Maria começou a “namorar firme” com Egídio, de 67 anos, que conheceu no salão. Desde que passou a dançar com frequência, diz que “conheceu vários, até que deu certo com ele”. Mas não moram juntos, “é cada um para a sua casa”.

“Ele é uma pessoa muito carente, meio paradão, fala que vou ensinar muitas coisas pra ele”, conta. “Fui eu quem o ensinou a dançar. Eu o convidei e ele aceitou.” Egídio é também ciumento, segundo ela. “Eu sou muito fácil de pegar amizade, mas hoje fico mais quieta no meu canto, não posso falar muito.”

Com o relacionamento, a ex-enfermeira diz que tem feito inveja em mulheres mais jovens que ela. “Muitas vezes as moças me dizem: ‘Você tem namorado e eu não tenho’. É que você tem que olhar para as pessoas e mostrar que está viva. Quando eu era mais nova era mais caída, cuidar de tanto filho e do marido me deixava morta.”

Atualmente Maria Mouro faz até musculação e esteira em uma academia, “de segunda a sexta”. “Expliquei para o professor que comigo o ritmo tem que ser mais devagar, porque há seis anos fiz uma cirurgia na coluna para colocar oito parafusos.”

Para o Dia dos Namorados, Maria e Egídio não têm planos muito ousados. “Estamos sem dinheiro”, justifica. “Dar um abracinho e um beijinho, se amando e se respeitando, já está muito bom.”

Ótima conhecedora dos bailes, ela observa que o comportamento masculino nesses ambientes se divide entre os que “ficam olhando de longe, esperando, como dizem os antigos; ficam só no canto, olhando para os pés, e não vão dançar”; e os “atirados”.

“Tem certas coisas que a gente não esquece, a abordagem, saber falar, se dirigir, um certo cavalheirismo que chama a atenção”

De acordo com a lei da oferta e da procura, a vida para eles nos bailes é mais fácil do que para elas, na percepção do técnico em química aposentado Miguel Luiz Roque da Costa, de 63 anos.

“O número de mulheres sozinhas, separadas ou viúvas é bem maior que o número de homens disponíveis”, avalia ele, que nasceu no Rio de Janeiro e mora em Santos (SP).

Miguel se separou em 2003, quando os filhos – um rapaz que hoje tem 30 e uma moça que está com 32 – “já estavam bem criados”.

Além da separação, viu-se também às voltas com um problema de artrose no joelho, que enfrenta andando de bicicleta pelo litoral. “Juntou tudo e então apareceram o estresse e a depressão”, conta.

Para recobrar “o eixo, a referência”, e se distrair, passou a frequentar bailes, a convite de amigos. Chegou a vencer um concurso de dança para iniciantes. “Sempre gostei de dança, desde jovem. É uma coisa que trago dos tempos de solteiro, mas, quando casamos, diminuímos muito a parte social em razão de outros objetivos, como trabalho e filhos.”

Entre 2006 e 2011, ele namorou com “uma amiga que conheceu no baile”. Recentemente teve outro relacionamento. “Durou pouco tempo, cerca de três meses. Foi um pouco conturbado, acabaram rolando ciúmes, é natural.”

Sua presença nos bailes, que acontece pelo menos uma ou duas vezes por semana, não se restringe a Santos. Com a turma, excursiona, de ônibus, para dançar em casas de São Paulo e do Grande ABCD. “Saímos às seis da tarde e voltamos às duas da manhã.”

Sua intenção é passar o Dia dos Namorados em algum desses salões. É uma boa oportunidade para, quem sabe, encontrar uma nova parceira. Jeito para isso ele diz que tem. “Tem certas coisas que a gente não esquece, a abordagem, saber falar, se dirigir, um certo cavalheirismo que chama a atenção. O jovem tem outras formas de conquista, mas o tempo ensina a gente. Acontece naturalmente.”

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