“Antes, a questão era descobrir se a vida precisava ter algum significado para ser vivida. Agora, ao contrário, ficou evidente que ela será vivida melhor se não tiver significado”. Albert Camus

O mundo é dos jovens. É pessimismo afirmar isso? Então sou pessimista. Mas quais propagandas que vemos a mídia fazer para os de mais idade? O azulzinho, o alimento estimulante, as vitaminas, a clínica para impotência. Pois é.

Para os jovens, esportes radicais, a asa delta, o rapel (?), a canoagem em corredeiras, a roupa descolada.

Tudo bem. O marketing deve procurar os nichos onde o lucro é maior. Nós estamos na melhor idade (melhor?), na terceira idade, idosos, com vagas especiais nos estacionamentos, lugares garantidos no transporte (você não fica, assim, como direi, meio incomodado quando um jovem ou uma jovem levanta-se para dar lugar para você)?. O cara que deve ter sua idade ou mais o chama de senhor. Ele parece mais velho do que você, porque o senhor?

Mas o pior mesmo é ser enganado. E diariamente. Quem faz isso com um SENHOR de cabelos grisalhos, músculos enrijecidos e caminhar meio vacilante? O seu cérebro. É o único órgão do corpo humano que se recusa a envelhecer. Ele coloca você em situações, no mínimo, engraçadas. Você se abaixa para apanhar algo. Fácil. É, quando levanta você tem de se esforçar, pois os joelhos doem. Se fizer um movimento brusco às costas doem. Tem sorte se um dos músculos não enrijece deixando você com os movimentos limitados e dor por vários dias. E as visitas aos médicos se tornam uma constante. E, dependendo do sintoma, você vai à consulta se preparando para o pior.

Usou óculos a vida inteira. Mas só agora percebe que os óculos não estão resolvendo. Você está com catarata. Uma cirurgia simples. Mas você vai temeroso de ficar cego. Aquela dorzinha no joelho que a vinte ou mais anos atrás você conseguiu jogando bola. O médico disse, na ocasião, “você vai continuar jogando bola? Se for é melhor operar”. Mas você não quer operar, então fala para o médico, “não vou mais jogar”. E pendura a chuteira. Mas só. Porque o joelho vai incomodá-lo a vida inteira, e quando a idade chega você não confia mais naquela perna.

TV, sem legenda só aumentando o volume. Coitado das outras pessoas que moram na casa. Mas os filmes, estes são legendados. Mas enquanto a catarata não para de jorrar, você tem de sentar a um metro da TV. Que bom o SUS, pois agora você depende mais, vai te dar um aparelho auditivo. Aí você lembra o seu pai. Quando ele ia comer o aparelho apitava. “Pai, o senhor está apitando”, e ele desligava. Mas aí não ouvia mais as conversas á mesa. E do irmão, que reclamou que quando usa sua voz e a dos outros fica metalizada. Como a voz dos robôs dos filmes. Mas pelo menos você escuta.

E as coisas vão se sucedendo, e você tem de estar sempre pronto para lidar com a próxima dor que vier.

Socialmente você tem de ter um grupo de velhos para socializar. Porque os jovens, “Ah, eu não vou lá à casa dos velhos, pois eles só falam das doenças”. E te esquecem.

E vem o pensamento de todas as coisas que você não pode mais. Porque eu não insisti nas aulas de piano ou de violão? Saberia se distrair com uma música. Poderia tentar aprender agora. Mas a artrite não deixa mais usar os dedos agilmente.

E os esportes. Porque não tentou praticar pelo menos um durante sua juventude? Não era bom no futebol? Praticasse vôlei ou polo aquático, ou o que seja. Nos estudos você fica bobo com todas as opções que são dadas aos que estão desejando entrar numa faculdade. No seu tempo havia só as profissões básicas. Economia, administração, medicina com algumas especialidades, línguas e mais umas duas ou três. Antes se deixava de fazer um curso superior por dois motivos: um por não se identificar com nenhuma das opções oferecidas. Outra, o curso normal já deixava você ter muitas possibilidades de trabalho. Hoje o cara se forma na faculdade ainda tem de ter doutorado, bacharelato, experiência no exterior, falar uma ou mais línguas.

E não vou falar sobre computação. Você consegue usar um computador. Mas o básico. Não tente falar a linguagem atual, pois vai se confundir todo. Celular? Muito menos. Aquelas teclas pequenas, o toque no visor que o manda para todos os lados no programa, sem você saber voltar. E um menino com seis anos te ensina como fazer determina tarefa.

Nesta longa jornada, que para você passou voando, testemunhou o progresso de tudo. TV? Você foi conhecer uma TV quando tinha doze anos de idade. Preta e branca. Telefone? Você tinha de comprar e esperar três ou quatro anos. E só fixo…

Carros, aviões, refrigerantes (você lembra-se do crush, coca-cola e guaraná). Doces. Conservação da comida. Não era todo mundo que tinha geladeira. Lavar roupa. Só o tanque. O homem na lua, inimaginável. Enfim, são cinco, seis décadas atrás. Os meninos e meninas podiam trabalhar logo que iniciavam a adolescência. Uns tapas eram muito bem-vindos. Não pela garotada, mas pelos pais. Educavam mesmo. E ninguém ficou traumatizado por isso. O respeito fazia que só a um olhar já se obedecesse. Com estranhos era senhor e senhora, mesmo que fossem jovens com mais idade. Respeitavam-se os professores. Nem sonhávamos em ficar de castigo na aula. Ser suspenso por três dias. A bronca dos pais era terrível.

Enfim era outro mundo. Que estes jovens de hoje nem podem imaginar. A inflação chegando a 80% ao mês. Os produtos tendo seus preços aumentados da manhã para a tarde. O salário que tinha o reajuste todos os meses para acompanhar a inflação. A política. Os alfinetes com a cara do candidato. As músicas das campanhas. Totalmente diferente de hoje. O povo tinha realmente o candidato que achava que seria bom. E era.

E incrível. Ele, o cérebro, continua te mandando mensagens para mil coisas, que o resto do corpo não obedece. Ela, a terceira idade chegou pra você. E um a um dos amigos ou conhecidos, vão dando, definitivamente, o lugar para os jovens. E você tem de se acostumar com a ideia de não mais fazer planos em longo prazo. Pois o fim deve estar, pela lógica, ao médio ou curto prazo.

E você mergulha nos pensamentos de sua juventude e em sonhos do que deixou de fazer. Dizem que não devemos olhar para trás, viver no passado, mas como olhar o presente que vivemos agora e um futuro que já está á nossa porta?

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