É algumas vezes com sutileza e em outras como um tapa na cara que o filme "A Despedida", produção brasileira de 2014 que estreou há pouco nos cinemas, trata de questões relacionadas ao envelhecimento.

Um dos aspectos escancarados pelo diretor Marcelo Galvão é o quanto a sociedade – aqui leia-se familiares e poder público, por exemplo – ainda não está preparada como devia para lidar com as necessidades de quem avança na idade mas mantém intactos planos, desejos, decisões.

Os primeiros minutos do filme se dedicam a fazer o espectador compreender que a vontade do protagonista, o Almirante, senhor de 92 anos, ultrapassa suas limitações físicas. É com esforço que o acompanhamos em seus primeiros passos matinais, quando dispensa qualquer ajuda para tomar banho e se vestir – uma resolução de teor psicológico contundente no contexto daquilo que a narrativa vai nos dizer. A atuação convincente do ator Nelson Xavier fortalece o impacto das cenas.

Almirante quer ser ouvido e respeitado em seus intentos. É o que sugere quando diz ao filho que quer ir à rua sozinho tomar um café. Ser um nonagenário com mobilidade reduzida por certo inspira cuidados naqueles que o cercam, mas em que medida essas pessoas próximas apreendem a complexidade do envelhecer e lidam de forma madura com esse processo?

O filho a princípio reluta em deixar o pai sair desacompanhado, mas por fim cede não como um sinal de compreensão, mas com o ar de superioridade de quem dá o braço a torcer a um capricho.

Nelson Xavier interpreta o Almirante, um senhor de 92 anos; crédito: divulgação.

O café, na verdade, é pretexto do personagem para fazer algumas visitas e acertar contas com o passado – e seu próprio presente. E é nas suas trocas com diversos interlocutores nessa jornada – não só indivíduos mas o próprio ambiente ou, ainda, as vozes médias da sociedade, representadas por estereótipos – que está a maior riqueza do longa-metragem.

Em vários momentos esse homem mais velho é visto como excluído: na impaciência do entorno quando vai atravessar uma avenida movimentada de São Paulo; no olhar piedoso de uma jovem que o ajuda a sacar dinheiro no banco, como se o idoso fosse alguém que precisasse viver “de favores”; ao ser mera caricatura de alguém próximo da morte na visão de um grupo de jovens na praça.

Esses são os maiores obstáculos que o Almirante precisa vencer. Ele quer um lugar, que não é o da condição passiva que o meio quer lhe impingir. Ele tem raciocínio lógico, pulsão de vida, uma voz. E é nas relações com a amante – interpretada por Juliana Paes – e com um pássaro de estimação, seus entes mais queridos nessa procura, que encontra espaço para firmar sua autonomia. São esses dois que o tratam, ou o reconhecem, de maneira íntegra, sob a ótica do respeito e do afeto, sem deixar que o estado de saúde pouco favorável do homem condene por antecipação seu papel de ser atuante.

"A Despedida" desperta a reflexão sobre em que condições, emocionais e sociais, se dá a afirmação da identidade e o exercício da cidadania de quem já viveu muitos anos. Essa é a voz do filme e o que torna uma obra importante, a ser assistida por públicos de todas as idades.

Confira a programação aqui.

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