Há mais de vinte anos eu venho realizando pesquisas sobre o significado e a experiência do envelhecimento no Brasil. Já pesquisei mais de 5 mil brasileiros e, desde 2015, estou dedicada a pesquisar homens e mulheres que já passaram dos 90 anos.

No Brasil, 83% da violência contra os velhos está dentro de casa. Em 60% dos casos, são os próprios filhos e netos que praticam a violência contra os mais velhos. Violência física, verbal, psicológica, abuso financeiro, maus tratos, xingamentos, desrespeito e negligência fazem parte da vida dos velhos muito antes da pandemia. A casa e a família no Brasil não são um lugar de segurança, acolhimento e amor como tantos idealizam.

Desde que a pandemia chegou aqui, a violência contra os mais velhos se agravou. O Disque 100, canal que recebe denúncias de violação dos direitos humanos, revelou que a violência contra os velhos aumentou 500% de março a maio deste ano.  O número é muito mais assustador, pois a grande maioria tem medo e vergonha de denunciar os filhos e os netos como seus agressores, que roubam o dinheiro da sua aposentadoria e destroem a sua saúde física e mental.

Existe um cruel feminicídio e infanticídio dentro das casas brasileiras. Mas não está acontecendo também um verdadeiro velhocídio?

A velhofobia no Brasil está cada vez mais explícita. Estamos assistindo horrorizados discursos de autoridades, políticos e empresários recheados de estigmas, violências e preconceitos como este que eu vou falar agora:

“Esta é uma doença só de velhos. Vamos todos nos contaminar para criar imunidade e a pandemia acabar logo. Só irão morrer alguns velhinhos doentes. Não vamos parar a economia para salvar a vida dos velhos, eles iriam morrer de qualquer jeito, mais cedo ou mais tarde. Vai ser até bom para a Previdência se eles morrerem logo”.

Para os velhofóbicos a vida dos mais velhos não vale nada. Esse tipo de discurso já existia antes da pandemia: os velhos são considerados inúteis, desnecessários e invisíveis. Homens e mulheres, que já experimentam uma espécie de morte simbólica, ficam desesperados ao constatar que são considerados um peso para a sociedade. Muitos estão deprimidos e perdendo a vontade de viver em função dessa tragédia que é mundial, mas que adquire contornos muito mais cruéis, perversos e desumanos no Brasil.

A forte reação dos brasileiros contra estes sociopatas genocidas prova que os mais velhos são sim muito valiosos para todos nós. Faremos tudo o que for necessário para demonstrar que os nossos velhos não são um peso, muito pelo contrário. São eles que estão nos ajudando a encontrar força e coragem para sobreviver. São eles que estão nos ensinando a ser pessoas mais amorosas e generosas. São eles que estão cuidando de nós, como sempre fizeram durante toda a vida.

Somos nós os principais responsáveis por uma transformação radical dessa realidade cruel, seja qual for a nossa idade cronológica. Cada um de nós, mesmo os mais jovens, deveria se reconhecer no velho que é hoje ou no velho que será amanhã: velho não é o outro, velho sou eu.

Já somos uma geração traumatizada por essa tragédia. Lutar contra a velhofobia é lutar pelo nosso próprio direito de envelhecer, e pelo direito dos nossos filhos e netos terem uma velhice mais digna, livre e feliz.

Deixo então uma pergunta para todos, os velhos de hoje e os velhos de amanhã: o que você está fazendo para combater a velhofobia?

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