No ano em que completa 40 anos de sua promulgação, a Lei 6.515/77, que ficou popularmente conhecida como a Lei do Divórcio, se consolida como um marco histórico para o país. O divórcio foi instituído oficialmente com a emenda constitucional número 9, de 28 de junho de 1977, regulamentada pela 6.515, em 26 de dezembro do mesmo ano. De autoria do senador Nelson Carneiro e sancionada pelo então presidente Ernesto Geisel, a nova norma foi objeto de grande polêmica na época, principalmente pela influência religiosa que ainda pairava sobre o Estado. A inovação permitia extinguir por inteiro os vínculos de um casamento e autorizava que a pessoa casasse novamente com outra pessoa.

De lá para cá, duas importantes inovações foram implementadas ao seu texto: a primeira ocorreu há dez anos, com a Lei 11.441/2007, que possibilitou a separação e o divórcio no cartório extrajudicial, sem necessidade de processo judicial, o que costumava demorar muitos anos. A segunda foi a Emenda Constitucional 66/2010, que acabou com o prazo mínimo para o divórcio e a necessidade de prévia separação judicial.

Desde então, é possível se casar de manhã e divorciar-se à tarde, já que a escritura de divórcio é feita em até 15 minutos.  Antes das atualizações, a decisão sobre o divórcio ficava nas mãos do juiz, que poderia recusar a homologação e não conceder o direito à separação se apurasse que a medida não preservaria suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.

De janeiro de 2007 a novembro de 2016, segundo informações públicas mais recentes da Central Notarial de Serviços Compartilhados, foram lavrados nos cartórios de Notas de todo o país mais de 1,5 milhão de atos, sendo 852.929 inventários, 13.973 partilhas, 42.936 separações e 421.187 divórcios. No mesmo período, a economia gerada aos cofres públicos foi de R$ 3,5 bilhões.

“Com a aprovação do divórcio, superamos essa barreira, deixamos para trás toda essa hipocrisia”

Aos 78 anos de idade, a juíza de paz Arethuza Aguiar se orgulha de ter sido a primeira mulher a se divorciar no Brasil, dois dias depois de a Lei ter sido sancionada. Na época, com 38 anos, Arethuza era mãe de duas filhas e já estava separada do marido havia cinco anos.

"Fui uma lobista de marca maior. Eu tinha dois irmãos que moravam em Brasília naquela época. Ficava na casa deles para poder falar com o maior número de parlamentares possível", afirmou a juíza. Ela conta que o apoio de alguns deputados foi fundamental para aprovação da Lei, que Arethuza afirma ter sido uma conquista de todos. “O deputado Arolde de Oliveira foi muito gentil. Ele me apresentou a vários deputados e senadores, me acompanhando por todos aqueles corredores para que eu conseguisse conversar com os legisladores e alcançássemos o número de votos necessário”, relembra.

Segundo a juíza, naquela época, pessoas divorciadas viviam em uma espécie de limbo social e sofriam muito preconceito que se estendia a filhos e netos. “Com a aprovação do divórcio, superamos essa barreira, deixamos para trás toda essa hipocrisia”, comemora Arethuza. Ela relembra que participou de alguns programas de televisão e enfrentou muita resistência. “Eles me chamavam de destruidora de lares, diziam que Deus não habitava o meu lar. Eu respondi que era esse o motivo de eu querer me divorciar, para que Deus habitasse minha casa, porque Ele não está onde não existe amor”, conta emocionada.

Para Arethuza, a lei só foi aprovada porque a votação ocorreu durante o mandato do presidente Ernesto Geisel (1974 a 1979). “Tentaram votar outras vezes sem sucesso. Se fosse qualquer outro presidente, a lei não passaria. E só passou por causa do presidente Geisel”, afirma a juíza. A explicação é simples: “Geisel era luterano, não tinha vínculo com a igreja católica, ao contrário dos outros presidentes. Ele se pautou por suas convicções do que era certo, e não por medo de represália da igreja”, destaca Arethuza.

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