Já do estacionamento, avistamos algo animador: a rampa de acesso à loja era suave e curta. E no interior, mais pontos positivos: o banheiro acessível era independente e ficava a poucos metros da porta de entrada.

O banheiro, então, era um luxo perto de quase todos os que havíamos visitado até ali. Alguns, verdadeiras espeluncas. Espaço interno amplo para manobras da cadeira de rodas, higiene esmerada e um suave aroma de limpeza tomando conta do ambiente.

Entrei sozinho e, apoiando-me na barra fixa na parede, sentei-me no vaso. O assento era tão macio que senti vontade até de tirar uma soneca.


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Na hora de me levantar, descubro o detalhe, aterrador: a barra da parede estava fixada à direita, ou seja, do lado da minha hemiplegia. Bem que eu tentei, mas não consegui: o braço paralisado não tinha força para alçar meu corpo e se insisto poderia sofrer uma queda grave! Já no desespero, gritei para a minha cuidadora; por sorte, ela estava por perto e me ouviu, tirando-me rapidamente da enrascada.

Estávamos na BR-101, sul de Santa Catarina, já próximos do meu destino (Imbituba) na minha primeira viagem distante (2017), de carro, após o AVC (julho de 2013), que me atirou em uma cadeira de rodas; o local chama-se Engenho.

Encantos de Vargem do Cedro

Afastando-se da praia em direção à Serra da Capivara, está Vargem do Cedro, distrito do município de São Martinho, uma dessas comunidades de imigrantes alemães de Santa Catarina. Vale a pena conhecer, é um lugar cheio de encantos, a começar pelo Fluss Haus, um restaurante de comidas típicas alemãs que não fica atrás dos melhores de Berlim.

Fui visitar, sempre preocupado com a acessibilidade. Chega-se de cadeira de rodas, sem problemas, até os banheiros, apesar da distância.

Revelo minha intenção de falar sobre acessibilidade e a gerente – Elaine – senta-se ao meu lado, à mesa, anota tudo o que eu sugiro e me ouve com uma atenção comovente. Saio convencido de que em poucos meses terão transformado o Fluss Hauss num modelo de acessibilidade para o país e o mundo.

Do Fluss Hauss, passo para a pousada em frente (Deutsches Haus) e sou recebido pela encantadora Maria Jeremias Feuser, da família de proprietários, que faz questão de me mostrar pontos fortes e fracos da acessibilidade. Diria que também essa casa já possui acessibilidade acima da média de tudo o que vi. Ela demonstrou que deseja aperfeiçoar todas as coisas e demonstrou avidez em captar opiniões e sugestões. Saí de Vargem do Cedro convencido de que a semente da acessibilidade já brota ali com grande força.

Conscientizar, Incentivar e Orientar

São casos que nos levam também a refletir que, se desejarmos fazer a acessibilidade florescer com força, temos de abandonar por um bom tempo a mentalidade fiscalista e punitiva e substituí-la pelo tripé CONSCIÊNCIA, INCENTIVO E ORIENTAÇÃO. O dono do Engenho mereceria até um prêmio por ter se preocupado tanto com as necessidades especiais, mas, é claro, precisou de alguém que lhe orientasse melhor sobre como fazer.

Na mesma BR-101, menos de duzentos quilômetros antes do Engenho, encontramos, de um e de outro lado da pista, os dois Postos Sinuelo. Construído há poucos anos, o Sinuelo da direita (de quem vai de São Paulo para Porto Alegre) é talvez a parada com mais acessibilidade, provavelmente, de todo Brasil. Ali, o problema de alçar-se do vaso foi magistralmente resolvido com uma só barra, horizontal; os dois pés fixados no piso e na frente do assento.

Foto: Divulgação

De construção mais antiga, o Sinuelo da esquerda ainda preserva alguns dos problemas da época em que quase não se pensava nas necessidades especiais: os banheiros “acessíveis”, por exemplo, ficam dentro dos banheiros dos homens ou das mulheres; esqueceram-se de que o cuidador da PNE, que pode ser homem ou mulher, precisa acompanhá-la.

Outro problema dessa parada é a enorme distância que separa os banheiros da lanchonete e do restaurante, embora seja visível a possibilidade de criar, com adaptações simples, atalhos que tornariam tudo mais acessível.

Medidas de urgência no Graal

A acessibilidade também parece bater à porta do Graal (KM 460 da Br-116, Pariquera-Açú, SP), onde os problemas derivam da conhecida – e falsa – estratégia de fazer PARA os deficientes ao invés de fazer COM os deficientes. Anoto aqui os detalhes que precisariam ser corrigidos com urgência:

- Ampliar a aba de cobertura nos desembarques. Chovia forte no meu desembarque e, se não fosse a ajuda do segurança Fernando Guimarães, teria me molhado severamente.

- É preciso também criar atalhos que encurtem a distância entre o estacionamento/restaurante e os banheiros.

- Há problemas sérios com a altura dos equipamentos dos banheiros acessíveis.

- O barulho de turbina de avião do secador de mãos levará ao surto convulsivo qualquer autista que ousar entrar nos banheiros de uso comum.

Não fazer para: fazer com!

É preciso insistir na orientação a todas as instituições, públicas ou privadas, que precisam prover acessibilidade, de trabalharem dentro da premissa (fantástica!) usada no âmbito do movimento Web Para Todos, liderado pelas jovens Simone Freire e Suzeli Gonçalves, para incentivar a inclusão no uso da internet:

- Parar de “fazer PARA” e passar a “fazer COM” as pessoas deficientes!

O que serve para acelerar a inclusão na internet, servirá, com certeza, para todas as iniciativas inclusivas.

A rigor, todas as medidas e soluções inclusivas devem ser testadas e certificadas pelas pessoas que se pretende incluir, pois só estas ou os profissionais que passam a vida no atendimento às necessidades especiais vão enxergar aquele detalhe que faz a diferença, e, como diria Albert Einsten, está ali a espera de ser transformado na moradia de Deus.

Toda a cadeia construtiva

Mas não são apenas os empresários ou os responsáveis – arquitetos, engenheiros, designs, planejadores urbanos, construtoras, pedreiros e serventes – por obras inclusivas que devem começar a trabalhar COM ou em parceria COM as PNEs (pessoas com necessidades especiais). Também as autoridades responsáveis pela aplicação do arsenal de leis inclusivas devem buscar mais empatia com as PNEs, pois nem sempre aquilo que está na lei, como no caso do banheiro do Engenho, expressa as necessidades reais.

A não ser os banheiros de um dos dois postos Sinuelo, em Santa Catarina, não consegui encontrar mais nenhum ambiente que possa ser classificado de “totalmente inclusivo”: em hotéis, restaurantes, bares, logradouros, espaços públicos como postos de saúde, clínicas médicas, por maior que seja a acessibilidade ou a vontade de acertar, há sempre imperfeições (algumas muito graves!) e problemas a revelar que uma pequena parte do Brasil, que já despertou para a importância da acessibilidade, está parada na ideia de fazer PARA o deficiente, sem saber fazer corretamente.

O fazer COM O DEFICIENTE tem de ser a regra, não a exceção!

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